Durou pouco a intenção da Câmara de impedir os gastos dos deputados com comida, assessorias e pesquisas. As novas regras de uso da verba indenizatória deveriam valer a partir de maio, mas os parlamentares pressionaram e a Mesa Diretora se reúne hoje para voltar atrás em algumas decisões tomadas para impedir abusos.
No fim de semana, a Câmara começou a divulgar na internet, pela primeira vez, as despesas detalhadas dos deputados com a verba indenizatória. Os primeiros registros revelam gastos com lanches em redes de fastfood, refeições em churrascarias, pizzas e até bilhetes de estacionamento.
Confira a relação dos gastos dos deputados
Só nos seis primeiros dias de abril, os ressarcimentos dos parlmentares que vulgaram os gastos chegaram a R$ 168.043,12.
O detalhamento das despesas dos deputados foi possível depois que a Câmara decidiu tornar público, além do volume total dos gastos com a verba, os registros e os nomes das empresas a quem os parlamentares pagavam para pedir ressarcimento.
Criada em 2002 para cobrir gastos dos deputados no exercício do mandato, a verba indenizatória virou escândalo após denúncia de que Edmar Moreira (MG) usava o dinheiro para pagar seguranças de suas próprias empresas. Como noticiou com exclusividade o Congresso em Foco, o deputado foi o campeão de gastos com segurança desde o início da legislatura, até 2008.
Após a denúncia, a Câmara decidiu aumentar o número de regras que regem o ressarcimento. A idéia era que, a partir de maio, os deputados não pudessem mais usar a verba para gastos com alimentação, assessoria e pesquisa.
O percentual de despesas com algumas rubricas também seria limitado: até 30% da verba com segurança e outros 30% com transporte. Também ficaria expresso no regimento que a contratação de serviços de empresas dos próprios parlamentares ou parentes estava proibida.
Mas os deputados reclamaram, e a Mesa Diretora decidiu se reunir hoje, mais uma vez, para flexibilizar outra vez o uso da verba indenizatória. “Houve um questionamento quanto à regra da alimentação, sob o argumento de que os parlamentares se locomovem em seus estados, se hospedam, mas não podem se alimentar e pedir o ressarcimento. A intenção agora é vetar os gastos com refeições em Brasília”, explicou o primeiro secretário da Câmara, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG).
Outra regra que será afrouxada a pedido dos parlamentares é a que proíbe o ressarcimento de assessoria e pesquisa. “Pesquisa eleitoral não poderá ser ressarcida, mas pesquisas sociais, sim”, adiantou Guerra.
As demais restrições devem permanecer. Como herança de Edmar Moreira, os parlamentares terão uso da verba com a rubrica de segurança limitada em 30% do valor total, que é de R$ 15 mil mensais. O percentual também se aplica aos gastos com combustível.
Uma nota de R$ 4 mil
Como as novas regras só passariam a vigorar em maio, os deputados aproveitaram. Até o fechamento desta edição, 83 parlamentares haviam publicado os ressarcimentos relativos ao mês de abril no site da Câmara. Na análise desses dados, o Congresso em Foco flagrou situações curiosas.
O deputado Betinho Rosado (DEM-RN), por exemplo, apresentou à Câmara nota em que pediu, e recebeu, o ressarcimento de R$ 4,1 mil por gastos com combustíveis. Ele usou apenas uma nota para justificar o pagamento de aproximadamente 1.464 litros de gasolina, se comprada a um preço de R$ 2,80 o litro.
E ele não foi o único. A julgar pelos 83 parlamentares que já tinham seus gastos computados na internet, apresentar uma nota fiscal para justificar grandes gastos com combustível é uma prática na Casa (confira o levantamento completo).
A assessoria do parlamentar não soube precisar o motivo pelo qual Betinho Rosado apresentou tamanho gasto em apenas uma nota. “O deputado viaja muito, né? Não sei bem como funciona, mas não dá para abastecer tudo isso de uma vez só. Acho que ele vai acumulando os abastecimentos, e depois tira uma nota com o valor final”, justificou.
Na rubrica locomoção, hospedagem e alimentação; quem merece destaque é o deputado Marcelo Serafim (PSB-AM). Ele fretou um avião ao custo de R$ 12 mil e completou seus gastos nesses seis primeiros dias de abril com uma nota referente a uma refeição em uma churrascaria, no valor de R$ 91,07.
De acordo com o assessor de imprensa de Serafim, o parlamentar é frequentemente obrigado a fretar aviões para se deslocar em seu estado. “O Amazonas é diferente dos outros estados. Lá, em alguns lugares, só se chega de barco ou avião. Para isso ele terá de usar a verba sempre”, sustentou.
Foi na mesma rubrica – locomoção, hospedagem e alimentação – que o deputado Pastor Pedro Ribeiro, gastou R$ 197,00 em uma churrascaria. Detalhe: o gasto foi dividido em duas notas fiscais, no valor de R$ 98,50 cada, sequenciais. A reportagem tentou contato com o assessor de imprensa do parlamentar, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.
"Não sou xerife de deputado"
Questionado sobre as notas únicas apresentadas pelos parlamentares para pedir ressarcimento de uma determinada rubrica, como aconteceu com os R$ 4,1 mil ressarcidos ao deputado Betinho Rosado, o primeiro secretário da Câmara afirma: “Não sou xerife de ninguém.”
“Cada parlamentar tem seu jeito de administrar suas finanças. Eu suponho que acumulem os valores e façam uma nota no fim do mês, mas, particularmente, já disse ao pessoal do meu gabinete que não vou aceitar nota com valor de final de mês”, destacou.
Ontem, quando o Congresso em Foco fez a pesquisa nos dados referentes à verba indenizatória, os ressarcimentos pagos ao primeiro secretário ainda não haviam sido computados.
Dos mais de R$ 168 mil gastos nos seis primeiros dias de abril com a verba, R$ 37,4 mil foram empenhados para ressarcir gastos com combustíveis. Outros R$ 55 mil foram gastos com a rubrica de divulgação do mandato e mais R$ 45,9 mil com consultoria e pesquisa. Completam os R$ 168 mil os demais gastos, como assinatura de TV à Cabo, publicações e material de expediente.
Regra única
A falta de regulamentação sobre benefícios parlamentares também acontece no Senado. A proposta era de que as duas casas do Congresso fechassem acordo sobre uma norma única. “Mas ninguém de lá (Senado) me procurou. Não podemos esperar”, disse Rafael Guerra.
Além dos R$ 15 mil mensais a que a verba indenizatória dá direito aos parlamentares, eles contam com salário de R$ 16.512,09, R$ 60 mil para contratar de cinco a 25 funcionários de gabinete, auxílio moradia no valor de R$ 3 mil, e, ainda, uma cota de passagens aéreas, que varia de R$ 4,2 mil a 16,9 mil, a depender da distância do estado do parlamentar de Brasília.
Se da nota fiscal constar a numeração dos cupons fiscais relativos a cada abastecimento, o valor da nota poderá ser correspondente ao máximo que pode ser gasto sem representar indício de fráude (NF. comprada por operação não realizada).
ResponderExcluirEm contrapartida, se não constar os numros dos cupom é quase certo tratar-se de fraude!
ResponderExcluir