Um exemplo da cegueira ortodoxa

Eles não se emendam. Enquanto as incertezas provocadas pela crise internacional têm levado governos em todo o mundo a ampliar sua margem de manobra, a refazer rotas, a afrouxar dogmas, vem ao Brasil, com uma pérola na mala, uma comissão da Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Deu-se há uma semana o encontro do secretário-executivo da ortodoxa organização, Angel Gurría, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Nele, o comissário recomendou o que deveria ser nossa prioridade: reacender o debate sobre a redução da meta de inflação, há sete anos estacionada em 4,5%.

Em nome da OCDE – entidade que reúne, em sua maioria, países ricos – Gurría exibiu um relatório no qual ele e assessores fazem uma média de elogios ao Brasil. Agrada-lhes especialmente o fato de que o Brasil conseguiu enfrentar a turbulência internacional sem abandonar compromissos com o regime de metas, a responsabilidade fiscal e o câmbio flutuante, a tríade de receitas dos ortodoxos para uma economia feliz. Atribuíram a esses pilares, e só a esses pilares, a sustentação de bons resultados em pleno colapso global.

A OCDE ignorou, por exemplo, traços distintivos da estratégia brasileira para escapar da contaminação da crise: a constituição de um robusto mercado consumidor interno, a política de valorização do salário mínimo, o estímulo a investimentos em bens de consumo de massa, fatores essenciais para as empresas compensarem a súbita perda de vista do horizonte externo. São elementos que escapam da cartilha tradicional sugerida pelos países ricos a economias em desenvolvimento. Mais grave, Gurría & Cia. não só defenderam aperto nas metas de inflação – coisa que nem o Banco Central parece disposto a fazê-lo – como deram um pito nas medidas de incentivo fiscal a setores industriais, justamente as empresas acuadas pela concorrência turbinada dos outros países.

Típica falta de informação ou de boa fé. Ou as duas coisas.

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