Mercados acenam uma recuperação


Após atordoante volatilidade, os mercados globais ensaiaram, no final dos pregões, uma tentativa mais consistente de superação da crise financeira. O principal termômetro do estado de espírito da grande finança globalizada - os juros dos títulos de 10 anos do Tesouro americano, uma espécie de benchmark para todos os outros ativos - , depois de afundarem a 3,2850% no início da tarde, vindos de 3,4387% do fechamento anterior, se recuperaram e encerraram o dia a 3,6091%. A alta dos juros evidencia uma diminuição da repulsa despertada pelos ativos mais expostos ao risco. Deu tempo para o índice Dow Jones da Bolsa de Nova York sentir os efeitos positivos da menor rejeição ao risco. O indicador fechou com valorização de 2,50%. Por operar em horário diferente, a Bovespa não teve a mesma sorte, e caiu 3,32%.

Quando é muito intensa, a volatilidade transmite a sensação de que a crise financeira global pode ser pior do que se imaginava, pois seria, na verdade, crise de confiança. Os grandes investidores teriam perdido a confiança na capacidade das autoridades econômicas e monetárias de resolver os problemas dos EUA. Os momentos em que os dirigentes do Federal Reserve (Fed) e do Tesouro exibem fragilidades são justamente os mais propícios a ofensivas que, no passado, caracterizaram ataques especulativos contra o dólar. Quando são reféns do mercado, precisam ajudá-lo continuamente e a todo o momento. A recuperação de ontem foi atribuída ao auxílio prometido às empresas que fazem seguro de bônus nos EUA.

"Treasuries" oscilam de 3,2850% a 3,6091%

Desde a irrupção da crise de crédito, em agosto, até agora, a taxa básica de juros dos EUA despencou de 5,25% para 3,50% num momento em que a inflação não mostra indícios de fraqueza. Os dirigentes do Federal Reserve (Fed) sempre demonstraram a certeza de que poderiam resolver a crise na hora que quisessem. Derrubaram o custo do dinheiro e jogaram dólares sobre Wall Street, até agora sem muito sucesso efetivo e duradouro. A crise piorou depois que George Bush sacou, na semana passada, a velha e enferrujada pistola utilizada para debelar as crises de 2000 (o naufrágio das ponto.com) e de 2001 (atentados de 11/9): o surrado ardil republicano do corte de impostos.

Os investidores receberam o pacote "um pouco mais do mesmo" de Bush com visível desagrado. Como o paciente criou resistência, não adianta repetir a medicação: quer sempre mais. "Se em outros momentos de pré-estagnação, a injeção de liquidez, via corte de impostos, servia para aquecer o nível de atividade, a macroeconomia agora é outra", compara o economista-chefe da RC Consultores, Marcel Pereira. Há algumas boas razões para que desta vez seja diferente. Primeiro, porque o nível de carga tributária já está baixo nos EUA, uma vez que sua redução foi utilizada intensamente desde o estouro da bolha tecnológica. Segundo, porque a moeda americana está debilitada. "Ela não andava tão frágil assim desde a corrida especulativa contra o dólar, após a segunda crise do petróleo, ocasião em que o então presidente do Fed, Paul Volcker, viu-se forçado a subir a taxa de juros para a casa dos dois dígitos", lembra Pereira. E, por último, porque as contas públicas americanas estão desajustadas, com relevante déficit fiscal, vulnerabilidade esta agravada pelo déficit comercial. Pelo lado do Fed, a única providência seria a radicalização nos moldes Greenspan do afrouxamento monetário. Isso significa derrubar os juros para o patamar de 1% que vigorou de junho de 2003 a maio de 2004.

Se os mercados asiáticos e os europeus assumirem a trilha aberta ontem à noite pelo Dow Jones e os treasuries , hoje será dia de o dólar devolver a forte valorização de ontem. A moeda americana subiu 1,84%, cotada a R$ 1,8250. No acumulado do mês, o dólar já avançou 2,70%. Os juros subiram no mercado futuro da BM&F para refletir as tensões externas, e não a reunião do Copom. O contrato para janeiro de 2011 avançou de 13,17% para 13,22%.

O Brasil tem hoje a terceira maior taxa nominal de juros do mundo. A Selic de 11,25% é superada pelo juro básico da Venezuela, de 21,7%, e da Turquia, de 16%. Mas em termos reais a taxa brasileira é a segunda, e pode voltar este ano a liderar de novo o ranking dos maiores pagadores mundiais. O juro real brasileiro, de 6,6%, só perde para o da Turquia, de 7%, segundo o ranking elaborada pela consultoria UP Trend. Como a diferença é pequena e os juros turcos vêm caindo, a expectativa do economista-chefe da consultoria, Jason Vieira, é de que em algum momento de 2008 o Brasil possa retomar a liderança. Os 40 países pesquisados pela UP Trend pagam, em média, juros nominais de 5,98%, e, em termos reais, de 1,2%.

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