Boa parte dos parlamentares governistas integra a bancada do mau humor. Afinal, quem participa desse jogo de trocas com o Planalto são os políticos da base do governo
Há alguns dias, enquanto esperava o carro do jornal na entrada principal do Congresso, ouvi um deputado governista que se queixava a um amigo do pouco espaço para pressão sobre o Palácio do Planalto. “O problema é que o governo tem uma bancada de 400 deputados contra pouco mais de 100 da oposição. Se você puxar uma dissidência de 50 votos, o placar fica 350 a 150. O governo vai ganhar do mesmo jeito e você fica na chuva”. A seguir, emendou: “Depois das eleições, pode ser que esse quadro mude. Os partidos vão brigar na base e pode ser que fique mais fácil armar uma dissidência de vez em quando”.
Não se deve imaginar que o parlamentar pensava em rompimento com o governo Lula. O que ele projetava são as dissidências de ocasião, aquelas preparadas às vésperas de uma votação importante. Nesses momentos, o governo precisa desesperadamente de votos e está disposto a negociar nos termos impostos pelos congressistas. Aí, eles conseguem liberar verbas que incluíram no Orçamento da União para suas bases eleitorais, nomear algum apadrinhado para cargos na administração e tudo mais o que couber na conta.
Como concluiu o parlamentar que deu mote à coluna, não é uma questão de lealdade e sim de matemática. Se os números estão contra o governo, o quociente de traição aumenta. Se eles favorecem o Palácio do Planalto, a obediência é maior. Simples assim. Basta olhar o quadro de hoje. Na Câmara, onde conta com o apoio de 400 parlamentares, o governo controla as eventuais dissidências com mão de ferro. No Senado, onde supostamente teria 53 dos 81 votos, tem de fazer milagres para contar com 41 na hora do voto.
Os exemplos se sucedem. O melhor foi o da CPMF. A emenda que prorrogava o imposto do cheque até 2011 passou com certa tranqüilidade na Câmara. O governo perdeu tempo apenas para negociar com a bancada do PMDB do Rio de Janeiro, que comanda a Comissão de Constituição e Justiça. No Senado, foi um inferno. O valor político de cada voto subiu às alturas e no final o Planalto não conseguiu o apoio de que precisava de sua própria base. Teve de amargar um rombo de R$ 40 bilhões em sua arrecadação.
Essa queda-de-braço entre governo e parlamentares está por trás de todos os movimentos políticos dos últimos dias. Primeiro, os partidos arrancaram de Lula todos os cargos que desejavam. Aproveitaram-se da balança de poder favorável. O governo tinha dois projetos estratégicos que dependiam da aprovação do Senado: a criação da TV pública e a lei orçamentária para 2008. Lula deu os cargos e depois bateu na mesa. Cobrou votos e ameaçou demitir os apadrinhados recém-contratados. O efeito foi imediato. Menos de 24 horas depois, o Senado aprovava a TV pública.
A vitória inverte os sinais. Ao menos por enquanto faz o governo crescer na relação com os parlamentares. Isso inquieta o Congresso. E não se pense que o incômodo vem apenas da oposição. Boa parte dos parlamentares governistas integra a bancada do mau humor. Afinal, quem participa desse jogo de trocas com o Planalto são os políticos da base do governo.
A disputa contamina um assunto fundamental para o país: a regulamentação da emissão de medidas provisórias. Ninguém discute que o governo exagera no uso do instrumento, que lhe permite substituir o Congresso no papel de legislador. Mas é bom ir além dessa obviedade. O governo usa as MPs porque elas lhe dão uma posição de vantagem na negociação com os parlamentares. Afinal, a proposta começa a produzir efeitos no momento em que é editada. Deputados e senadores dão o troco adiando ao máximo a tramitação das MPs, de forma que elas cheguem à votação quando estão às vésperas do prazo final para caducar e o governo tem pressa para negociar.
Como era de se imaginar, na hora de repensar o assunto, o governo quer mais poder e o Congresso também. Provavelmente, ao final, tudo se resolverá na negociação. E será uma negociação cara, de atacado, uma vez que afetará todas as votações no futuro.
Tese comprovada
Há muito tempo se diz que o Orçamento da União é uma farsa. Como ele autoriza despesas mas não obriga o governo a realizá-las, torna-se apenas um objeto para as negociações das quais falamos acima. Poucas vezes isso ficou tão claro como neste ano. O fim da CPMF custou R$ 40 bilhões ao governo e mesmo assim o Orçamento fechou. Até a véspera da votação, um anexo de R$ 540 milhões ficava trocando de dono como bolinha de pingue-pongue. Ah, isso sem falar que o Orçamento do ano só foi para votação em março… Nas Entrelinhas
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