Levo pelo menos quatro"


O governador Teotônio Vilela recebe em sua casa o presidente da Assembléia Legislativa de Alagoas, que está afastado por improbidade administrativa, e ouve dele uma ameaça de morte

Há cerca de 15 dias, o presidente afastado da Assembléia Legislativa de Alagoas, deputado Antônio Albuquerque (DEM), foi ao apartamento nº 602 do Edifício Ticiano Becelli, em Jatiúca, bairro nobre de Maceió. É lá que mora o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB). Albuquerque estava aflito e fez um pedido, quase uma súplica.

– Estão destruindo a minha vida. E você precisa impedir a perseguição da Polícia Federal.
– Tonho, eu não posso. Fui eu quem pediu a ajuda do governo federal para combater o crime organizado no Estado. É impossível para mim recuar, agora.
– Então, fala com o Renan (Calheiros, ex-presidente do Senado).
– O Renan está fragilizado. Não pode fazer nada por você.

O governador então convidou-o para sentar, mas Albuquerque, nervoso, ameaçou:

– Teotônio, já pensei em suicídio. Mas, olhe, eu não vou sozinho. Levo comigo pelo menos quatro.

Durante uma hora de conversa, Vilela tentou demover o deputado da idéia com a promessa de ajudá-lo. Ao se despedir, contudo, Albuquerque reiterou sua determinação de se suicidar e de não deixar este mundo sozinho. Apesar de alardear que é amigo de Albuquerque, Vilela tem motivos para se preocupar. O governador sempre viu o presidente da Assembléia como o obstáculo na relação entre o Executivo e o Legislativo. Apesar de ter apoiado Vilela, Albuquerque criava dificuldades para os projetos do governo na tentativa de obter favores. A amigos, Vilela confidenciou sua preocupação com o estado de espírito do deputado depois daquela conversa. A um deles, chegou mesmo a contar que o deputado lhe deu o nome dos quatro. Ele, Teotônio Vilela, encabeçava a lista. Em entrevista a ISTOÉ, o governador primeiro negou o diálogo, depois disse que não se lembrava dele. Procurado pela reportagem, o deputado Albuquerque disse: “Não quero falar com você. Eu não entreguei minha defesa ainda. Falo com você depois que entregá-la.”

SUICÍDIO O ex-presidente da Assembléia, Antônio Albuquerque, disse que vai se matar, mas só depois de se vingar do governador

A crise que levou o presidente afastado da Assembléia àquele diálogo insólito com o governador começou em 17 de março último, quando o desembargador Antônio Sapucaia, do Tribunal de Justiça de Alagoas, determinou a suspensão do mandato de nove deputados estaduais. Eles foram indiciados pela Polícia Federal sob a acusação de desvio de recursos públicos do Estado da ordem de R$ 280 milhões. Um deles, o deputado Cícero Ferro (PMN), chegou a ser preso porque a polícia encontrou armas em seu poder. Acabou liberado por decisão de seus pares na Assembléia Legislativa. Os demais foram conduzidos à sede da PF para prestar depoimentos.

Para o superintendente da Polícia Federal em Alagoas, José Pinto Luna, as investigações indicam que o deputado Antônio Albuquerque, presidente da Assembléia, seria o líder do grupo. O esquema montado pelos parlamentares apropriava-se de salários e das gratificações destinadas aos servidores e assessores. “Flagramos a mulher de um deputado portando uma quantidade de cheques de funcionários fantasmas da Assembléia, que eram descontados na boca do caixa do banco, que não exigia sequer um endosso”, conta o delegado Luna. “Ela chegou a dizer que gastava dinheiro em compras pessoais, tais como bolsas Louis Vuitton e até automóveis.” O delegado Luna acrescenta que a papelada apreendida na Assembléia Legislativa revelou fortes indícios de outro esquema envolvendo parlamentares e prefeitos. “Aqui em Alagoas, a maioria das prefeituras – cerca de 70% delas – desvia verbas de merenda escolar”, acusa Luna. Na quinta-feira 3, o procuradorgeral Coaracy Fonseca impetrou uma ação de improbidade administrativa contra os deputados.


EM APUROS O deputado Celso Luiz (abaixo) teve que depor na PF sobre desvio de verbas; seu colega Cícero Ferro foi detido por posse de armas
O governador Teotônio Vilela conhece a má fama dos políticos do Estado. Por isso, tem perdido noites de sono quando recebe informações do secretário da Defesa Social, o delegado da Polícia Federal Paulo Rubin, que trabalha nas investigações de irregularidades que envolvem também políticos aliados. O governador sabe que não tem como controlar essas investigações, mas isso não serve como paliativo para eventuais desafetos.

Na semana passada, admitindo o envolvimento de Albuquerque no escândalo da Assembléia, a direção nacional do DEM resolveu expulsá-lo do partido. Poucos dias depois, dois colegas da Assembléia Legislativa se envolveram em novos escândalos. O deputado Arthur Lira (PMN), um dos nove afastados no escândalo, foi preso por agentes da Força Nacional de Segurança – que está em Alagoas a pedido do governo do Estado – por ter espancado a própria mulher. Ele responde processo referente à Lei Maria da Penha. Mas o corporativismo funcionou e 14 deputados estaduais votaram pela revogação da prisão. Outro deputado, Marcelo Victor (PTB), foi acusado de fazer “gato” para roubar energia elétrica. Ele pagava apenas R$ 20 por mês para iluminar uma casa que, segundo especialistas, deveria pagar entre R$ 300 e R$ 400. No momento em que os funcionários da Companhia de Energia Elétrica de Alagoas (Ceal) chegaram para efetuar o corte de energia, o deputado, que tomava banho, saiu na rua enrolado numa toalha. Com uma pistola na mão, agrediu um dos funcionários com coronhadas. O presidente da Ceal, Joaquim Brito, indignado, pediu instauração de inquérito policial a fim de apurar a agressão.

Casos de crimes encomendados são comuns num Estado marcado pela violência política. Um dos mais famosos foi a chacina na residência da deputada federal Ceci Cunha (PSDB), em 16 de dezembro de 1998. Ela, o marido e dois parentes foram assassinados por quatro pistoleiros. Tempos depois um deles, conhecido como “Chapéu de Couro”, confessou que tinha sido contratado pela suplente da deputada, Talvane Albuquerque – que não tem nenhum parentesco com o ex-presidente da Assembléia Antônio Albuquerque. Na quarta-feira 2 a Força Nacional de Segurança prendeu o principal suspeito do assassinato do vice-prefeito de Pilar, Beto Campanha, morto em janeiro em plena luz do dia na principal rua da cidade. Outro crime de repercussão foi o assassinato, em 1º de outubro do ano passado, do então vereador Fernando Aldo, pré-candidato a prefeito do município de Delmiro Gouveia. As investigações apontaram como principal suspeito o deputado estadual Cícero Ferro – o mesmo preso pela PF pela posse de armas.

O governador Teotônio Vilela tem razão para estar preocupado.

“Viver é perigoso”

ISTOÉ – O sr. já recebeu o presidente afastado da Assembléia Legislativa, Antônio Albuquerque, na sua residência?
Teotônio Vilela – Já, várias vezes, e já fui à residência dele. Ele é meu amigo.

ISTOÉ – Numa das conversas, ele disse que estava pensando em suicídio e levaria pelo menos quatro com ele?

Vilela – Quem te disse isso? Ele não falou.

ISTOÉ – Ele não falou mesmo, governador? O sr. tem certeza?

Vilela – Acho que não. Eu não me lembro de ele ter falado isso. Ele esteve na minha casa umas vezes. Eu fui algumas vezes na casa dele. São conversas longas. O Antônio é muito prolixo. Conversamos muito sobre vários temas. Eu não tenho, precisamente, cada ponto abordado. Eu lembro que ele estava abatido, se sentindo injustiçado. Esse tipo de coisa.

ISTOÉ – O sr. teme pela sua vida?

Vilela – É... Eu me lembro agora de uma frase do meu pai, o velho Teotônio Vilela. Quando alguém colocava: “Mas isso não é perigoso? Aquilo não é perigoso?” Ele respondia: “Viver é perigoso.”

ISTOÉ – O sr. está tendo cuidado com a sua segurança?

Vilela – Hoje uso a segurança de governador. Nunca usei uma arma. Quando eu era senador não precisava de segurança.

ISTOÉ – Vendo o escândalo em que nove parlamentares foram afastados, como o sr. avalia essa operação da Polícia Federal? E a participação do deputado Antônio Albuquerque, apontado como líder do esquema?

Vilela – Eu prefiro aguardar o resultado das investigações. Como governador, sou o líder de um poder. Ele, até há pouco tempo, presidia outro poder. Existe uma relação de amizade. Ele me apoiou desde o início da campanha. Eu não vou prejulgá-lo. Eu prefiro aguardar o resultado das investigações e o pronunciamento da Justiça para poder me pronunciar.

ISTOÉ – Alagoas é um Estado violento?

Vilela – Não é. Alagoas tem esse estigma. Mas também se fala que isso é da cultura de Alagoas. Cultura existe quando há impunidade. Duvido que, na hora que começarem a prender quem mata e quem manda matar, essa cultura não desapareça. A cultura vem da impunidade. E isso nós não admitiremos mais

MINO PEDROSA
Isto é num. 2005

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