Com mais discrição , Ayres Britto manterá rigor com políticos


O ministro Carlos Ayres Britto assume hoje a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e deverá manter a linha atual de agir com rigor com a classe política, iniciada, em 2006, por seu antecessor, o ministro Marco Aurélio Mello. Britto, porém, pretende evitar o excesso de declarações de seu antecessor que tanto incomodaram o governo Luiz Inácio Lula da Silva durante os últimos dois anos, pois o seu estilo de atuação é diferente.

Mello acredita que a Justiça Eleitoral tem um caráter consultivo e, portanto, deve se manifestar sempre, até para a orientação pedagógica da classe política. Foi neste sentido que ele advertiu o governo sobre os riscos de ilegalidade na ampliação de programas sociais durante as eleições municipais deste ano, como o Bolsa Família e o Territórios da Cidadania. Como os programas ainda serão julgados pelo TSE, os comentários de Mello irritaram o governo. Ao ouvir, em fevereiro passado, que Marco Aurélio de Mello havia sido convidado a se candidatar pelo Democratas - informação não confirmada oficialmente - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a fazer críticas veladas à possibilidade de a Justiça interromper os programas sociais.

Britto entende que a relação do Judiciário com a imprensa deve ser mais cautelosa. Ele tem o costume de sempre atender os jornalistas, mas pretende, em sua gestão na presidência do TSE, evitar comentários sobre assuntos pendentes de julgamento.

O novo presidente também quer aprofundar o debate em assuntos iniciados durante a gestão de Mello. Foi sob a condução deste último que o TSE condenou o troca-troca partidário, determinando a perda do mandato do político que abandonar a legenda pela qual foi eleito. Agora, Britto quer aperfeiçoar o sistema da fidelidade, cobrando não apenas do candidato eleito, mas do próprio partido a correção com o seu programa ideológico. Ele também quer rediscutir o quociente eleitoral, pelo qual um candidato de um partido pequeno mesmo quando bem votado pode não ser eleito porque os votos à legenda foram poucos. Para o ministro, este sistema pode prejudicar a vontade do eleitor. Ao mesmo tempo, ele deverá manter o rigor com que o TSE impugnou candidaturas e reprovou contas de campanha nas últimas eleições, em 2006. Até as contas de campanha do presidente Lula chegaram a ser reprovadas no final daquele ano pelo tribunal, decisão que foi, depois, revertida por recurso.

Ex-militante e ex-filiado do PT, Britto votou contra o governo em diversos julgamentos desde que foi empossado ministro do Supremo Tribunal Federal, em junho de 2003. Os maiores exemplos: ele foi favorável à abertura da CPI dos Bingos, em votação realizada no início da crise do mensalão, em maio de 2005, e, no ano anterior, foi contrário à reforma da Previdência, quando, para alívio do governo, acabou vencido. Britto costuma dizer que a gratidão pessoal que tem com o presidente Lula - pelo fato de ele tê-lo indicado para o STF - não se confunde com "gratidão funcional ou institucional".

Os trocadilhos e versos são outra marca do ministro. Ele chamou a cláusula de barreira - pela qual apenas os partidos com 5% dos votos válidos para deputado federal em todo o país e 2% dos votos em pelo menos nove Estados teriam funcionamento parlamentar - de "cláusula de caveira" aos partidos pequenos. Durante o julgamento das pesquisas com células-tronco, Britto ironizou a idéia de que o Estado é laico e não deveria atuar de acordo com credos religiosos ao dizer que "o Estado é leigo". Sobre o teto salarial dos servidores públicos - fixado pelo salário de ministro do STF, de R$ 24,5 mil - Britto afirmou que os servidores não fazem voto de pobreza, mas "veto de riqueza". As frases do ministro costumam descontrair os julgamentos e são particularmente apreciadas por Mello, que abre sorrisos ao ver o colega votar.

Com relação ao rigor com a classe política, Britto chegou a proferir votos mais fortes do que Mello. Em setembro de 2006, ele defendeu o fim da candidatura de Eurico Miranda pelo fato de o então deputado sofrer oito processos na Justiça. Na ocasião, o TSE julgou se Eurico poderia se tornar inelegível pela sua folha corrida de processos na Justiça. Mello sustentou que até daria o cartão vermelho ao candidato como eleitor, mas que, como juiz, teria que observar o princípio de que ninguém é culpado até a sentença final transitada em julgado confirmando as acusações. Já Britto defendeu que o político com suspeitas graves e bem fundamentadas deveria ser impedido de se candidatar. "Há quadros factuais de certos candidatos que fazem uma opção por um estilo de vida delituoso", disse Britto, que acabou sendo derrotado naquele julgamento por quatro votos a três.

Caberá a Britto conduzir a Justiça Eleitoral nas eleições municipais deste ano. O seu mandato vai até maio de 2010. O novo presidente tem 63 anos, cinco filhos e nasceu em Própria, no interior do Sergipe, onde fez carreira como advogado, professor e ocupou diversos cargos públicos. É o único nordestino entre os onze ministros do STF. O vice-presidente será o ministro Joaquim Barbosa, relator do inquérito do mensalão, um julgamento que se tornou ícone da cruzada recente do Supremo e do TSE pela moralização na política. Nas eleições presidenciais de 2010, Barbosa estará no comando da Justiça Eleitoral. Até lá, espera-se que o julgamento do mensalão tenha sido concluído no Supremo.

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