O ministro da Justiça, Tarso Genro, avalia que a Polícia Federal está passando por uma fase de transição em que passará a ser menos midiática, mais discreta e mais efetiva. A instituição viveu um período de consagração no combate à corrupção, tendo feito uma sucessão de prisões amplamente divulgadas pela mídia. Agora, a meta é garantir que as provas obtidas nas operações sejam levadas de forma consistente para o Judiciário, de modo a resultar em punições efetivas às pessoas que cometem crimes de corrupção.
Genro é contrário aos vazamentos de trechos das investigações, o que leva, segundo ele, à politização do trabalho da PF e prejudica o foco da apuração. É o que aconteceu na Operação Satiagraha: a imprensa deu mais atenção às gravações telefônicas do que às acusações de evasão de divisas contra o grupo Opportunity.
"Ninguém pode ser fonte privilegiada da imprensa na PF, pois isso cria desequilíbrios internos na corporação", advertiu Genro.
O objetivo, agora, é retomar o perfil técnico das investigações, focando-se na apuração de crimes e deixando, assim, o plano político de lado. "O Ministério da Justiça lida com assuntos de Estado, e para cumprirmos bem o nosso papel temos que retirar as questões políticas", enfatizou.
Na visão do ministro, é preciso ser vencida a fase das prisões espetaculares que, num primeiro momento, deram a visão de ação no combate à corrupção, com a divulgação de cenas com pessoas algemadas e ações de busca e apreensão de computadores e documentos. O problema é que, numa segunda etapa, o que é exigido pelo Judiciário são provas mais consistentes, capazes de levar a uma condenação dos presos. É neste contexto que Genro acredita que a PF tem que mudar sua forma de agir. Para que isso ocorra, o manual de ações internas precisa ser cumprido, pois dele consta evitar abusos nas prisões, e recomenda manter o uso de algemas apenas nos casos em que são necessárias para a segurança do preso. "Não é que a visão do passado estivesse errada", disse Genro, referindo-se ao período de divulgação das prisões. "Essa visão foi importante num determinado momento, mas precisamos passar adiante."
Tarso Genro avalia que a atuação da PF enquanto "instituição de Estado" - e não de governo - teve como marco inicial o inquérito contra o esquema de Paulo César Farias, durante o governo do presidente Fernando Collor, em 1992. Foi a primeira vez em que a PF passou a investigar diretamente o presidente da República e, ao fazê-lo, a instituição se desprendeu do poder político.
A investigação foi conduzida pelo atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, Paulo Lacerda, e ex-diretor-geral da PF entre 2003 e 2007. Lacerda iniciou as investigações a partir da publicação de entrevista do irmão do presidente, Pedro Collor, que revelou a participação de Paulo César Farias nos negócios da família. A primeira coisa que Lacerda fez foi sair do esquema tradicional de investigação, resumido num delegado tomando depoimentos e um escrivão anotando. Ele constituiu um grupo de mais de 50 pessoas na PF para apurar as ramificações do esquema PC na Esplanada dos Ministérios. A PF obteve detalhes de vários repasses em dinheiro a partir de um computador apreendido pela Receita no escritório do empresário. Havia planilhas com obras dos ministérios e percentuais a serem pagos. Mas, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou as provas obtidas no computador devido à falta de autorização judicial e Collor foi absolvido. Ao todo, eram mais de mil volumes de investigações.
Do esquema PC surgiram 123 inquéritos, dos quais muitos ainda tramitam na Justiça. "Lacerda realizou uma investigação técnica rigorosa num ambiente político tenso", ressaltou Genro. "Foi a partir daquela investigação que a PF passou a atender mais ao Estado do que ao governo."
"Ninguém pode ser fonte privilegiada da imprensa na PF, pois cria desequilíbrios internos na corporação"
Após o esquema PC, o Congresso aprovou uma série de leis instituindo novos mecanismos de investigação: Lei dos Crimes de Colarinho Branco (em 1995), Lei de Escutas Telefônicas (1996), Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (1998). O Congresso permitiu ainda a realização de "ações controladas" - quando o juiz autoriza que a polícia, após saber de um crime, continue monitorando a quadrilha e, inclusive, induza a subornos.
Um novo momento de afirmação da PF se deu, a partir de 2003, com a organização das mega-operações, que duram até hoje. A principal novidade neste período foi o uso da prisão temporária, uma das maiores críticas que a corporação enfrenta no momento.
Realizada com autorização judicial, a prisão temporária permite reter os suspeitos por até cinco dias. É essencial para a PF, pois, sem ter a certeza do que está sendo acusado, e sem a assessoria imediata de advogados, o preso acaba sendo induzido a revelar mais detalhes sobre a quadrilha criminosa no seu depoimento inicial.
A partir de 2003, segundo análise de especialistas na atuação da polícia, é que se passou a fazer, no Brasil, a prisão temporária para os crimes financeiros e de envio de dinheiro de forma irregular para o exterior. O objetivo da PF passou a ser a desarticulação imediata do esquema criminoso, através de prisões simultâneas em vários estados. O uso deste tipo de prisão foi amplamente difundido durante as principais operações do período, como Anaconda (2003), Curupira (2005), Sanguessuga (2006) e Navalha (2007).
Agora, os momentos são outros. A análise de setores do governo é de que, se os relatórios das investigações não forem suficientes para produzir provas robustas e condenatórias, dar-se-á um passo atrás na percepção de combate à impunidade. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Marcos Vinicio Wink, disse que a PF não precisa de marketing. "Não queremos delegados que querem aparecer na mídia como salvadores da pátria. Fez concurso para a polícia, aja como policial", assinalou Wink.
Para o presidente da Comissão de Prerrogativas da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio de Sousa Ribeiro, os delegados que se apoiavam na mídia durante o primeiro mandato de Lula não agiam assim por atração pelos holofotes, mas por uma questão de sobrevivência. "Como as equipes são pequenas e passamos a nos defrontar com organizações criminosas complexas, a publicidade aumentava a sensação de segurança dos condutores do inquérito", disse.
Leôncio reconheceu que muitos inquéritos podem não redundar em condenações. Menos por despreparo intelectual dos delegados e mais por conta do complexo sistema processual penal brasileiro. "Existe uma interposição infinita de recursos para a defesa. Em muitos casos, o crime chega a prescrever e o suspeito se livra de qualquer possibilidade de condenação".
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