A oferta de compra da cervejaria Anheuser-Busch, a terceira maior do mundo, pela segunda do ranking, a belgo-brasileira Inbev, não é um negócio trivial. Ela sacudiu o ambiente global dos negócios que se imaginava entorpecido pela crise de Wall Street com implicações sobre a inflação e o rimo de crescimento da economia mundial.
É praticamente certa a aprovação da proposta pelos acionistas da Anheuser-Busch, já que a investida da Inbev passou de hostil, isto é, não-solicitada, a consensual, ao elevar de US$ 5 por ação, para US$ 70, o preço de compra, num total de US$ 52 bilhões.
O resultado factual é a criação do maior grupo cervejeiro global, com presença destacada também no setor de bebidas não-alcoólicas. Sai do topo do pedestal a SAB Miller, grupo baseado na Inglaterra e nascido na África do Sul, de onde migrou para Londres para fugir do embargo internacional contra o então regime racista no país.
Meio assim como a Inbev, resultado da fusão da brasileira Ambev com a belga Interbrew, mas por razões estritamente empresariais. O aspecto pouco citado é que os sócios brasileiros da Inbev dominam a sua administração e decisões estratégicas, embora a matriz tenha sido mantida em Leuven, pequena cidade da Bélgica. Lá, brasileiros são influentes não só no Conselho de Administração, onde sentam os acionistas, mas na diretoria executiva, liderada por Carlos Brito.
Ele fez carreira na Ambev e foi alçado à direção da Inbev, onde também são brasileiros, entre outros, os diretores de finanças e de recursos humanos, pelos três antigos controladores do grupo no Brasil: os empresários Jorge Paulo Lemann — suíço de nascimento e fundador do antigo Banco Garantia, vendido ao Credit Suisse, e da empresa de investimentos GP, da qual se desligou —, além de Carlos Alberto Sicupira, o executor das operações estratégicas do trio, e Marcel Telles Hermann, mais focado nas concepções administrativas, de marketing e logística. Os perfis de cada um os complementam.
Lemann armou sólidos relacionamentos internacionais desde a época do Garantia à frente do qual foi pioneiro na captação de recursos externos para investimentos no país por meio de fundos, cuja idéia propagou a partir de um seminário realizado no Rio, em 1994, que atraiu mais de uma centena de dirigentes de bancos, outros fundos, seguradoras e investidores da Europa e EUA.
Os então candidatos presidenciais Fernando Henrique e Lula foram palestrantes do evento. Ali, no auge do Plano Real, o mundo voltou a se interessar pelo Brasil, e o Garantia se oferecia a apresentar o país aos capitais ávidos por novos mercados para investir.
Sacudida de respeito
Tais relações e a experiência adquirida na gestão de negócios da economia real marcam o início das operações ousadas dessa trinca de investidores, que veio bater na oferta pela Anheuser-Busch — um ícone da indústria dos EUA, com quase 150 anos de história. Aliás, não foi nem será uma transição tranqüila, já que a maior oposição ao negócio está no chamado estilo brasileiro de gestão. Focado em eficiência e extremo rigor com os custos, como lembrou a imprensa americana e protestaram sindicalistas e políticos de Saint Louis, no Missouri, QG da Anheuser-Busch (mais conhecida pela Budweiser, sinônimo de cerveja nos EUA, e pelo parque temático Bush Gardens, em Tampa, Flórida), aguarda-se uma sacudida de respeito no grupo.
Tecnologia de gestão
A capacidade de Lemann-Sicupira-Marcel de extrair resultados de negócios potencialmente lucrativos, mas estacionados por direções acomodadas, se tornou uma espécie de “tecnologia de gestão” muito apreciada por grandes investidores. O megainvestidor Warren Buffet é um deles. Virou amigo de Lemann há anos, como o fundador do Wall Mart, Sam Walton. Lemann participa de conselhos de empresas dos EUA, como Gillette, e da Universidade de Harvard, com Buffet, que se reveza há anos no topo da lista das maiores fortunas do mundo.
Fábricas de lucros
Na hora certa a relação foi fundamental: Buffet, grande acionista da Anheuser-Busch e contrariado com seus resultados pífios, foi o patrono da oferta da Inbev. Da Brahma à Antarctica, com a qual se fundiu surgindo a Ambev, das Lojas Americanas à Interbrew, sempre houve o mesmo diagnóstico: grandes empresas, com grandes marcas, e operações abaixo de seu potencial. O trio do ex-Garantia fez delas fábricas de lucros. É o que se prevê com a dona da Budweiser.
Lemann-Sicupira-Marcel falam uma espécie de esperanto no mundo de negócios, associando as técnicas de engenharia financeira, vindas da época em que eram mais gestores de recursos que banqueiros, com um modelo gerencial que alia agressividade no mercado consumidor à disciplina férrea do caixa e dos custos, além de logística precisa e marketing intensivo. Na Bélgica, a gerência brasileira fechou fábricas ultrapassadas e as reabriu em países do Leste Europeu com mercados novos a explorar e mão-de-obra preparada e menos custosa.
O presidente da Inbev, Carlos Brito, foi a face pública da oferta pela Anheuser-Bush, sinal de que será brasileira sua direção. Como no Canadá, onde a maior cervejaria, a Labatt, também da Inbev, é tocada pelo ex-presidente da Ambev, Bernardo Paiva. Talentos não faltam à Ambev. Ela os recruta direto nas universidades, envia os melhores para especialização nos EUA e depois os treina no Brasil.
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