Gravações de conversas telefônicas feitas pela Polícia Federal revelam como dois investigados na Operação Satiagraha tentaram corromper um delegado para livrar o banqueiro Daniel Dantas das acusações de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro.
De todos os envolvidos, o único que era considerado foragido se apresentou às autoridades em São Paulo. É o que mostra o repórter César Tralli.
É em uma cadeia em Guarulhos, na Grande São Paulo, que está preso Humberto José da Rocha Braz, assessor de Daniel Dantas e ex-presidente da Brasil Telecom.
Procurado desde a semana passada, quando teve a prisão preventiva decretada por corrupção, Humberto Braz, o Guga, se entregou no domingo à noite, na sede da Polícia Federal em São Paulo.
Humberto e o amigo Hugo Chicaroni, professor universitário, foram flagrados em encontros e telefonemas oferecendo propina para um delegado federal. Toda negociação foi monitorada com autorização da Justiça.
Em uma das gravações obtidas com exclusividade pelo Jornal Nacional, Hugo comenta com o delegado sobre o papel de Humberto nos negócios do banqueiro Dantas.
Hugo Chicaroni: “Hoje, ele é o braço direito do Daniel”.
Delegado: “Ele é de confiança mesmo?”
Hugo Chicaroni: “Pode ficar sossegado”.
Em São Paulo, Hugo Chicaroni e Humberto Braz tentam manipular a investigação, segundo a polícia. O objetivo: deixar de fora o banqueiro Daniel Dantas e parentes dele. É o que indicam as gravações.
Hugo Chicaroni: “A história de só livrar três está bom, está ótimo”.
Delegado: “Isso é importante, porque quanto menos puder. Precisa saber exatamente o que é. Não dá para fazer milagre”.
Hugo Chicaroni: “São as pessoas que trabalham com ele até onde eu sei, é o Daniel, a irmã e o filho”.
As interceptações mostram ainda que, segundo Chicaroni, o banqueiro estava preocupado com a Justiça Federal em São Paulo, onde corre a investigação contra Daniel Dantas por crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
Hugo Chicaroni: “Ele se preocupa com hoje. Lá para cima, o que vai acontecer lá. Ele não está nem aí. Porque ele resolve”.
Delegado: ”Está tudo controlado”.
Hugo Chicaroni: “Ele resolve. STJ e STF. O cara tem trânsito político ferrado”.
Hugo Chicaroni se refere ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), as mais altas cortes do Judiciário brasileiro.
As conversas também falam em propina. Hugo transmite ao delegado a oferta de suborno proposta, segundo ele, por Daniel Dantas e oferecida por Humberto Braz, assessor do banqueiro.
Hugo Chicaroni: “Ele falou: ‘eu tenho US$ 500 mil para tratar desse assunto’”.
Delegado: “US$ 500 mil?”
Hugo Chicaroni: “É, tem US$ 500 mil”.
Segundo a investigação do dinheiro mandado por Humberto Braz, parte foi paga 20 dias antes da operação policial que levou os envolvidos para a cadeia. Como mostra uma gravação feita na frente do prédio em que mora Hugo Chicaroni.
Hugo Chicaroni: “Está na mão”.
Delegado: “Então está certo, não vamos nem conferir”.
Hugo Chicaroni: “Não. Eu não conferi. Esses pacotinhos ele me entregou em sacos de supermercado. Eu só pus dentro de uma outra sacola”.
Delegado: “Quantos pacotes têm?”
Hugo Chicaroni: “São 50. Dá 10 pacotes”.
Além do pagamento em parcelas, o valor do suborno dobrou de US$ 500 mil para US$ 1 milhão. É o que apontam as gravações no segundo encontro em São Paulo entre os dois homens que diziam representar o banqueiro Daniel Dantas e o delegado federal.
Foi nessa segunda conversa também que o delegado Vitor Hugo Rodrigues Alves apresentou documentos sobre o banqueiro.
Fotos e fichas cadastrais foram exibidas durante um almoço onde o assunto era propina. As filmagens mostram o exato momento em que Humberto Braz, de frente para a câmera, troca de lugar com Hugo Chicaroni para analisar melhor os documentos. O delegado não tem pressa.
Delegado: “Pode ver com calma que eu não vou poder deixar com vocês esses documentos.Tem sonegação, tem lavagem, tem evasão de divisa, tem outros crimes contra o centro financeiro, tem vários crimes, uma investigação dessas sempre começa pequena e cresce”.
Logo em seguida, o assunto passa a ser propina. Hugo Chicaroni fala em US$ 1 milhão.
Hugo Chicaroni: “Já que ele já ofereceu US$ 500 mil, pede US$ 1 milhão. Para ele, pode chegar a US$ 700 mil, US$ 800 mil”.
Em relatório encaminhado para a Justiça, o delegado informa que Humberto Braz, assessor do banqueiro, reafirmou que o suborno de US$ 1 milhão não seria problema e que Humberto já estaria autorizado por Daniel Dantas para fazer o pagamento.
As conversas também flagram mais uma parcela da propina. Quase R$ 80 mil foram entregues ao delegado federal na garagem do prédio de Hugo Chicaroni.
Delegado: “Isso são dólares também?”
Hugo Chicaroni: “Não, não, não, isso é em reais”.
Segundo a polícia, a maior parte da propina foi apreendida no dia da prisão de Chicaroni, na semana passada. No apartamento dele, os policiais encontraram R$ 1,28 milhões em dinheiro vivo.
De acordo com as investigações, quem ajudou a levantar esse dinheiro foi o empresário Naji Nahas, preso na mesma operação semana passada.
As interceptações captaram telefonemas entre Nahas e o banqueiro Daniel Dantas, mas na conversa não há referência explícita a dinheiro.
Daniel: “Oi Naji, alô”.
Naji: “Você está sumido”.
Daniel: “Você está no Brasil ou está fora?”
Naji: “Não, estou em São Paulo”.
Daniel: “Em São Paulo... Então, eu vou pedir para te procurar aí, tá bom?”
Naji: “Tá bom”.
As fotos tiradas pela polícia em maio mostram Humberto Braz, assessor de Daniel Dantas, saindo do escritório de Naji Nahas, na Zona Sul de São Paulo.
É o mesmo escritório que sofreu devassa por ordem judicial e o mesmo Humberto Braz, assessor de Dantas, agora atrás das grades acusado de corrupção.
As prisões foram feitas na terça-feira da semana passada, 8 de julho. Mas, já em 29 de maio, os envolvidos desconfiavam que pelo menos um deles estava sendo seguido.
É onde entra um novo personagem, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, do PT de São Paulo. Greenhalgh foi contratado por Daniel Dantas como consultor. O ex-deputado também chegou a ter a prisão pedida pela Polícia Federal, mas o pedido foi negado pela Justiça.
As interceptações revelam um telefonema de Luiz Eduardo Greenhalgh para o chefe de gabinete da presidência da República, Gilberto Carvalho.
O ex-deputado queria saber se a A estava seguindo Humberto Braz no Rio. Na conversa aparece o nome de Luiz Fernando, que seria o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa.
Segundo o monitoramento dos delegados, o telefonema aconteceu às seis da tarde do dia 29 de maio.
Gilberto Carvalho: “O general me deu o retorno agora, é o seguinte: não há nenhuma pessoa designada na presidência na Abin, com esse nome. A placa do carro não existe, é fria. Eles acham que a única alternativa é que tenha sido caso de falsificarem documento. Eles não consideram possível que seja da Abin. Eu não falei com o Luiz Fernando ainda, mas não tem jeito. A Polícia Federal não usa a Polícia Militar, eles não se misturam de jeito nenhum. Então, eu acho que o mais provável é que o cara tava armando mesmo alguma coisa, mas com documento falso, que também no Rio é muito comum, porque daqui não tem, eu pedi, insisti, pedi que visse com máximo cuidado, tal”.
Greenhalgh: “Seria bom dar um toque no Luiz Fernando também, hein?”
Gilberto: “Eu vou dar. Eu tenho que falar com ele, vou levantar isso para ele também”.
Greenhalgh: “Está bom. Tem um delegado chamado Protógenes Queiroz, que parece que é um cara meio descontrolado”.
Gilberto: “Ele está onde, o Protógenes agora?”
Greenhalgh: “Está aí, em Brasília”.
Protógenes Queiroz é o delegado que comanda a investigação contra o grupo de Daniel Dantas.
Sobre as conversas telefônicas, a assessoria do Palácio do Planalto respondeu. Este ano, o chefe de gabinete da presidência, Gilberto Carvalho, recebeu o ex-deputado Greenhalgh três vezes em audiências no palácio.
Mais tarde, o próprio Gilberto Carvalho se manifestou. Em nota, ele confirma que, no dia 28 de maio, foi consultado por Greenhalgh sobre uma perseguição a um cliente seu, Humberto Braz, que até então desconhecia.
O motorista do carro que perseguia Braz teria se identificado como tenente da Polícia Militar e exibido documentos que diziam estar a serviço da Presidência da República.
Gilberto Carvalho diz na nota que confirmou para Greenhalgh que o tenente está credenciado na presidência, mas o trabalho que fazia nada tinha a ver com Braz. Por fim, Gilberto Carvalho afirma que não fez contato algum com o Ministério da Justiça, nem com a direção ou qualquer integrante da Polícia Federal.
Em nota, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh disse que não houve ilegalidade e reafirmou que hoje atua como advogado do banqueiro Daniel Dantas. Greenhalgh criticou a divulgação do conteúdo de conversas telefônicas.
O advogado Nélio Machado, que também defende Daniel Dantas, disse, por meio de seu escritório, que só pode comentar a acusação de tentativa de suborno depois de tomar ciência dos detalhes do processo.
A Polícia Federal tem declarado que o diretor-geral do órgão, Luiz Fernando Corrêa, não foi procurado por Gilberto Carvalho para discutir qualquer investigação.
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