O diretor-geral da Agência Bra- sileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda, deixou sua habitual serenidade para atacar o banqueiro Daniel Dantas e a multinacional de investigação Kroll que, segundo ele, se envolveram em espionagem ilegal para constranger autoridades brasileiras. Num depoimento de mais de cinco horas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara que investiga as escutas telefônicas clandestinas, também conhecida como CPI do Grampo, Lacerda negou que a Abin tenha praticado ato ilegal ao apoiar o delegado Protógenes Queiroz na Operação Satiagraha e reclamou da mudança de foco nas investigações.
- Estamos aqui discutindo os investigadores e não os investigados disse. Quero dar os parabéns aos advogados do senhor Daniel Dantas. Essa é uma tese dos brilhantes advogados que ele tem. Eles querem mudar o foco e estão de parabéns desabafou Lacerda ao ironizar que o foco das investigações trocou de mérito.
Ao responder a acusação de Dantas, na mesma CPI de que as investigações contra o Grupo Opportunity seriam uma retaliação o diretor da Abin disse que foi ele mesmo quem requisitou a abertura de inquérito. Lembrou que o dossiê concluído pela Kroll a pedido de Dantas e publicado pela revista Veja citava seu nome entre as autoridades às quais se atribuía a titularidade de contas não declaradas no exterior.
Indiciamento
O inquérito resultou na Operação Chacal e terminou com o indiciamento de Dantas e um dos diretores da Kroll, Frank Holder, pelos crimes de calúnia, injúria e difamação. Eles já foram denunciados à Justiça. As informações repassadas à revista envolviam também o presidente Lula, e os ex-ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, e Luiz Gushiken, das Comunicações e, segundo concluiu a polícia, eram falsas.
Lacerda usou parte do tempo à CPI para acusar a Veja de publicar matérias "levianas" e sem fundamento, levantando a suspeita de que ele tenha "comandado" a Operação Satiagraha e envolvido a Abin em espionagem clandestina.
- Fiquei perplexo com o nível de irresponsabilidade da Veja disse o delegado, que desafiou a revista a apresentar na mesma CPI qualquer documento que ampare as suspeitas.
O delegado rechaçou, também, as suspeitas de que agentes da Abin tenham monitorado o gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, ou monitorado funcionários da mesma corte. Explicou que se isso tivesse ocorrido, seria um procedimento ilegal, já que a agência não tem autorização para realizar escutas telefônicas.
Lacerda admitiu, no entanto, que ficou feliz quando Protógenes procurou a ajuda de oficiais da Abin, que pediram autorização a seus superiores e, segundo garante, apoiaram levantando dados do banco de dados da agência, pesquisando cadastros abertos (internet) e confirmando endereços de alvos da Operação Satiagraha. Segundo o delegado, foram cumpridas todas as exigências administrativas que regulam a atuação da Abin.
- Não houve ilegalidade argumentou. A Abin não participou de escuta telefônica e nem poderia. Só pode realizar se o Congresso rever a lei e autorizar.
O delegado reclamou do preconceito contra os agentes de inteligência que trabalham na Abin, que são freqüentemente chamados de arapongas quando, segundo ressaltou, são capacitados e exercem uma função de Estado.
- Isto até me faz lembrar cena, muitas vezes citada, de um clássico do cinema, o filme Casablanca que, em dado momento, diante da urgência das autoridades em apontar logo culpados, surge a ordem superior: prendam os culpados de sempre provocou. Na opinião de alguns, os suspeitos de sempre estão na Abin.
O depoimento de Lacerda coincidiu, ontem, com a publicação, no Diário Oficial da União, de decreto do presidente Lula criando na Abin um gabinete de gerenciamento de crise onde todos os órgãos públicos estarão integrados. Segundo Lacerda, a iniciativa quebra as suspeitas levantadas em torno da colaboração da Abin que, segundo ele, é comum no serviço público e em outras operações da PF.
- O principal obstáculo da Abin é vencer o preconceito histórico que ainda existe. É um estigma de seu antecessor disse Lacerda ao se referir ao extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) do regime militar, que ficou marcado pela atividade ilegal de espionagem política.
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