Diálogos da propina


Escutas telefônicas mostram que a Ipanema Segurança Ltda. pagou propina para descartar concorrentes e vencer uma licitação no Senado em 2006, segundo investigação do Ministério Público Federal em Brasília. A empresa contou com informações privilegiadas obtidas dentro do Congresso. Esse contrato, de R$ 2.043.658,92 por ano, foi prorrogado no último dia 28 de julho por mais 12 meses pelo primeiro-secretário do Senado, Efraim Morais (DEM-PB).

Os diálogos, obtidos pela Polícia Federal com autorização da Justiça, mostram, segundo denúncia do MP, Paulo Duarte, então diretor da Ipanema, negociando a retirada da empresa Vip Segurança da concorrência 03/2006 referente à vigilância desarmada. “Eu te dou 10 e se der certo, mais cinco”, diz Duarte no dia 5 de maio de 2006 a Paulo Dini, gerente comercial da VIP. “Ah, Paulo, pô”, reclama o concorrente da Ipanema.

Duarte explica a dificuldade e Dini aceita a proposta. “Então está bom, deixa assim, pronto. Segunda-feira eu passo lá”, afirma o dono da VIP, tentando logo depois dar uma última cartada: “Faz melhor, dá os 15 logo e morreu”. “Não, eu não posso”, responde o diretor da Ipanema. O acerto fica nos 15, que, segundo o MP, seria de, pelo menos, R$ 15 mil.

A entrega do dinheiro, de acordo com os investigadores, ocorreu na segunda-feira, dia 8 de maio, conforme o combinado. O gerente da VIP buscou pessoalmente o montante na Ipanema. Paulo Duarte não estava no local e pediu para uma funcionária entregar o dinheiro a Dini. “Paulinho, eu me enrolei um pouquinho na rua, a menina já vai entregar na sua mão, ok? Aí, depois a gente se fala, falou?”, disse.

No dia seguinte, 9 de maio, ocorreu a concorrência do Senado vencida pela Ipanema. E como a empresa descobriu o interesse da VIP Segurança nessa licitação? Com a ajuda de funcionários do Senado, segundo o MP. Um diálogo entre Paulo Duarte e Márcio Fontes, da Brasília Informática, confirmaria essa tese. “Eu tô com um menino lá dentro, você viu ontem quando eu estava na sua sala e liguei para ele?”, diz Duarte. Na conversa, os dois mostram que conheciam as demais concorrentes, citando mais quatro empresas, além da VIP Segurança.

“Almoço”
Um código foi criado para essa concorrência. Em 4 de maio daquele ano, cinco dias antes da licitação, Paulo Duarte e Paulo Dini conversam sobre ela. E usam um “almoço” para tratar do assunto. “Como é que tá aquele negócio?”, pergunta o gerente da VIP. “Você está dizendo aquele almoço de terça (dia 9), né? Está indo bem. Os convidados estão confirmando. Se você estivesse na minha frente, eu já olhei aqui na relação de convidados e botei ‘Araújo, ok’”, respondeu Duarte. Araújo é José Araújo, dono da Ipanema.

Esses diálogos fazem parte da denúncia feita pelo MPF em Brasília em março deste ano sobre as licitações vencidas no Senado pelas empresas Ipanema, Conservo e Brasília Informática. O material, obtido pelo Correio, diz que uma organização criminosa fraudou essas concorrências que, juntas, somam R$ 35 milhões. Ontem, foi revelado que os empresários usavam o código “vinho” para tratar do esquema.

Eles contavam, segundo o MPF, com a ajuda de dois diretores do Senado: Aloysio Vieira Brito e Dimitrios Hadjinicolaou. Ambos mantinham conversas com os donos das empresas em que tratavam de concorrências em andamento. Todos foram denunciados por improbidade administrativa em março deste ano, com base em inquérito da Polícia Federal depois da Operação Mão-de-Obra, em 2006. Nas conversas, aparecem o nome do diretor-geral da Casa, Agaciel Maia, e uma menção a um “senador” que já teria assinado um aditivo. No caso, os responsáveis pelos contratos do Senado é o primeiro-secretário, Efraim Morais.

Ontem, o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), afirmou que, por enquanto, esses contratos estão mantidos. Ele chegou a receber três senadores em seu gabinete: Pedro Simon (PMDB-RS), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Eduardo Suplicy (PT-SP). Os parlamentares foram cobrar uma resposta de Garibaldi às denúncias. O presidente do Senado preferiu o discurso da cautela: “Acho, primeiro, que devemos ver como está sendo a colaboração da Casa com essas investigações”, disse, admitindo, no entanto, a possibilidade de afastar Agaciel Maia da Diretoria-Geral. “Ele perderá as condições se, no curso da apuração, constatar-se seu envolvimento, sua culpabilidade”.

Procurado pelo Correio, Paulo Duarte disse ontem que não há qualquer fundamento nas acusações. “As conversas foram tiradas de seu contexto. Elas diziam respeito a negócios, mas todos dentro da lei”, disse Duarte, que afirmou não trabalhar mais na Ipanema. Ele informou que pediu uma perícia da íntegra das gravações para provar que teria havido interpretação equivocada por parte das autoridades. Paulo Dini, da VIP Segurança, não foi localizado.

Trechos de conversas captadas pela Polícia Federal durante a investigação da Operação Mão-de-obra

Diálogo de 4 de maio de 2006 entre Paulo Duarte, funcionário da empresa Ipanema, e Paulo de Deus Dini, conhecido como Paulinho Vip e gerente comercial da Vip Segurança. De acordo com o Ministério Público Federal, os dois discutem o pagamento de propina, que teria Paulinho Vip como beneficiário, para que a Vip Segurança desistisse de licitação e, com isso, abrisse caminho para a Ipanema vencer a concorrência nº 003/2006 do Senado, para o fornecimento de vigilância desarmada:

Paulo Dini: Como é que tá o negócio?
Paulo Duarte: Você está dizendo aquele almoço de terça, né? (segundo o MPF, “almoço” seria a concorrência pública, ocorrida em 9 de maio de 2006).
Paulo Dini: É.
Paulo Duarte: Está indo bem. Os convidados estão já confirmando. Algum para confirmar na última hora, né? Mas, fechei ontem a lista, mas está indo bem umas das três agarradinhas aqui (três empresas).
Paulo Dini: Não deixa para ver na última hora não que (inaudível).


No dia seguinte, os dois voltam a se falar e, segundo o MPF, teriam acertado o valor da propina.

Paulo Duarte: Eu te dou dez e se der certo, mais cinco
Paulo Dini: Ah Paulo, pô
Paulo Duarte:: Eu não posso…
Paulo Dini: Não, então está bom, deixa assim, pronto.
Paulo Duarte: Deixa como?
Paulo Dini: Dez e se der certo você me dá mais cinco, pronto


Em 8 de maio de 2006, véspera da licitação, teria ocorrido a entrega do dinheiro no escritório da Ipanema. Segundo o Ministério Público Federal, Paulo Dini esteve na empresa num momento em que Paulo Duarte estava fora e, por telefone, acertaram a entrega:

Paulo Dini: Alô.
Paulo Duarte: Paulinho, eu me enrolei um pouquinho na rua, a menina (secretária) já vai entregar na sua mão, ok? Aí depois a gente se fala, falou.
Paulo Dini: Ok.



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