Desde que a crise internacional começou a afetar a economia brasileira, o mercado de trabalho registrou volumes expressivos de demissões, que somaram 695,8 mil postos com carteira assinada entre novembro e dezembro, segundo o Ministério do Trabalho. Com os cortes, ocorridos em todos os setores, o emprego formal cresceu 5% no país em 2008, mas o índice poderia ter chegado a 6% se o volume de dispensas em dezembro tivesse se mantido na média histórica de 300 mil postos.
O volume recorde, porém, não configura o ápice do efeito da crise econômica mundial sobre o emprego no Brasil. Especialistas ouvidos pelo jornal Valor econômico avaliam que as demissões em massa ainda estão circunscritas a poucos setores: cadeia automotiva, comércio (com a não efetivação de temporários), setor siderúrgico e grupos que registraram perdas com derivativos. Para eles, ainda é cedo para dizer que a onda de desemprego se disseminou.
"As demissões têm pipocado, mas ainda não configuram um movimento generalizado. Mas se um volume tão expressivo de cortes se repetir em janeiro, aí pode-se dizer que há uma crise de desemprego", afirma o professor do Instituto de Economia da Unicamp Cláudio Dedecca, que prevê para os três primeiros meses do ano volumes de demissões inferiores ao de dezembro. Dados divulgados por sindicatos e empresas indicam que a maior parte das demissões está concentrada na cadeia automotiva e é explicada pelo cenário macroeconômico. A crise de crédito derrubou as vendas globais de veículos, causando a perda de 35 mil postos de trabalho nas dez maiores montadoras do mundo. No Brasil, o maior corte ocorreu na General Motors, que encerrou o contrato de 744 trabalhadores temporários, e na Volvo, que dispensou 250 temporários e outros 180 efetivos. Segundo dados da Anfavea, a produção brasileira caiu 25,1% no quarto trimestre de 2008, com redução de quase 200 mil veículos ante a média dos últimos três meses de 2007.
A falta de perspectivas em relação ao mercado no médio prazo levou as montadoras a reduzirem encomendas às indústrias de autopeças e a renegociarem cláusulas trabalhistas com os sindicatos. Dos 28,3 mil metalúrgicos dispensados no país, pelo menos 16 mil trabalhavam no setor de autopeças - a maioria, no mesmo período de 2007 e de 2006, cancelava férias coletivas e contratava trabalhadores para atender à demanda. Outro volume significativo de cortes ocorreu no setor siderúrgico, que sofre com a queda de demanda no mercado externo. Outros dois setores que efetuaram demissões em larga escala em função do encolhimento da demanda foram o setor químico e o de eletroeletrônicos, mas mais influenciados pela demanda no mercado interno.
A queda na demanda internacional e em preços também provocou cortes em vagas nas áreas de alimentação e papel e celulose. Nesses setores, um fator extra estimulou os cortes: os prejuízos com especulação em derivativos. No setor de papel e celulose, a Aracruz reviu seus projetos de expansão e produção após obter despesa financeira líquida de R$ 2,5 bilhões no terceiro trimestre, sendo R$ 2 bilhões referentes a perdas com derivativos. O ajuste obrigou o Grupo Plantar (que fornece mudas à Aracruz) a demitir 750 funcionários e a Vix Logística (transportadora) a cortar 60 postos.
No setor de alimentação, os frigoríficos que exportam carne de frango realizam paradas técnicas nas fábricas e pretendem reduzir a produção em torno de 20% até normalizarem os estoques. Os cortes mais graves ocorreram em empresas que fornecem frangos à Sadia e tiveram contratos cancelados. A Globoaves dispensou 460 pessoas em dezembro; o Frigorífico Mercosul dispensou 450 pessoas e a Nicolini, outros 300 funcionários. A Sadia teve, até o terceiro trimestre, perdas de R$ 545 milhões com derivativos e despesa financeira de R$ 1,2 bilhão, incluindo perdas com aplicações em títulos de crédito do banco Lehman Brothers.
"Na indústria, a grande redução em demanda e produção ocorreu na cadeia automotiva. Mas há preocupação de que essa onda de demissões se generalize", observa o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Fernando Sarti. Para ele, as indústrias têm ajustado o quadro de funcionários porque estão de olho no fluxo de caixa, mais do que na perspectiva de demanda futura. Afinal, diz, a oferta de crédito escasseou e encareceu e há dificuldades para zerar estoques. "O único custo variável que as empresas podem manejar neste momento é a folha de pagamentos e muitas preferem dispensar temporários para ter fluxo de caixa."
Para Sarti, existe ainda um interesse político dos empresários de obter mais benefícios fiscais e conseguir que o governo flexibilize direitos trabalhistas. "O risco de demissões forçará os sindicatos e os trabalhadores a aceitarem propostas menores de reajustes de salário, favorecendo novamente as empresas no médio prazo", observa Sarti.
Para o diretor de pós-graduação do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), David Kupfer, o aumento no custo unitário do trabalho, que chegou a 10,9% em novembro, indica que haverá novas demissões. Para ele, a retração no mercado de trabalho será mais longa do que se espera, a menos que o governo defina medidas para acelerar a economia, como a redução do superávit primário (em 2008 em 4,3% do PIB), isenção fiscal e investimentos em infra-estrutura.
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