Há pouco mais de dois anos, quando assumiu o comando da companhia americana General Electric na América Latina, o brasileiro Marcelo Mosci ficava cerca de 90% do seu tempo no exterior, em reuniões na matriz e em contínuas viagens para visitar as operações do grupo nos 34 países da região. Hoje, 60% do tempo é dedicado ao Brasil, que no decorrer dos anos vem ampliando sua participação no volume de negócios realizados pela companhia na região. No ano passado, pela primeira vez a operação brasileira suplantou a do México em receita, ao alcançar US$ 3,4 bilhões, de um total da US$ 8,2 bilhões obtido na América Latina.
O desafio, agora, é como manter o desempenho da região daqui para frente com o impacto da crise econômica mundial nos mais diversos setores de atuação da GE no mundo - de fabricação de locomotivas, turbinas para avião, equipamentos para extração de petróleo até aparelhos de raio-x para hospitais, além das áreas de entretenimento e financeira. Olhando para 2008, a GE não tem do que reclamar de seu desempenho na América Latina: foi um crescimento recorde de 27%. Quatro dos negócios tiveram receita superior a US$ 1 bilhão cada um, dois em infra-estrutura e dois no setor financeiro. O Brasil ficou com um deles.
Mosci está ciente de que dificilmente conseguirá repetir esse desempenho e reconhece que 2009 será um ano bem difícil. Mesmo assim, está otimista e espera crescer na faixa de dois dígitos em meio ao cenário de desaceleração da economia global. "Mantemos uma atitude positiva para a região, principalmente para o Brasil". Ele acredita que há muito a ser feito de investimentos na maioria dos países da América Latina. "O governo da Colômbia, por exemplo, acelerou e antecipou para o início do ano seu programa de investimento em obras de infra-estrutura".
O Brasil, diz, que tem no exterior uma imagem de solidez relativa, apresenta condições que permitem ter expansão de pelo menos 2% no PIB. Segundo Mosci, o país precisa investir muito em petróleo, gás, energia, saneamento, área de saúde e em diversas outras obras de infra-estrutura. Ele observa que o desempenho de 2009 será resultado da carteira de pedidos formada no ano passado e isso estaria garantido neste semestre. "A apreensão é se teremos ordens de pedidos no segundo semestre".
A aposta no Brasil vai além de negócios em indústrias de capital intensivo. O executivo lembra que a área de entretenimento rendeu um grande campeão de audiência nos cinemas do país. A divisão NBC participou da produção do filme "Tropa de Elite".
Para Mosci, os países da região vão se comportar de formas diferentes. "Será a vez dos menores apresentar crescimento mais forte - no Peru, o PIB ainda pode se manter com taxa de 5% a 6%; o Chile precisa investir muito em energia e extração de água, além da mineração de cobre, e a Argentina em geração elétrica e infra-estrutura em geral". Quanto ao Brasil, avalia que não será possível sustentar o mesmo ritmo de crescimento do ano passado. Sobre o México, enxerga uma situação mais difícil. "O consumo de combustível caiu 20% no país no fim do ano", comentou.
Em 2008, enquanto enfrentava um cenário negativo desde o início do ano nos EUA, a GE se beneficiou da onda de expansão nos países da região. Em alguns casos, como o Peru, viu seus negócios crescerem várias vezes sobre o ano anterior. Na Colômbia, o aumento foi de quase 70% e no Chile, de 67%%. No Brasil, a receita de vendas subiu 45%, sem considerar aquisições. A Argentina ficou com 29%. "Vimos isso em todos os negócios e em todos os países", afirma Mosci. Ele aponta um caso em que a GE faturava US$ 50 milhões e que saltou para US$ 280 milhões no ano passado. A contramão do desempenho regional ficou por conta do México, onde o volume de negócios subiu apenas 7,5%, para US$ 2,6 bilhões.
O auge da crise financeira nos EUA ocorreu em meados de setembro e alastrou-se por todo o mundo desde então. Apesar disso, garante o executivo, a GE ainda obteve no quarto trimestre desempenho de dois dígitos nos países da América Latina. "O terceiro trimestre foi o melhor de todos", relembra. É um trimestre que deverá ficar na lembrança de muitos executivos e empresários, pois tão cedo não deverá se repetir.
Devido à desaceleração de atividades em vários setores, como automotivo, de mineração e de siderurgia, a GE Brasil também foi obrigada neste início de ano a fazer ajustes de pessoal. Na fábrica de locomotivas Gevisa, em Contagem (MG), cortou 11% do quadro de funcionários. A retração no transporte de minério de ferro e outras cargas nas ferrovias da MRS e da Vale levou as duas empresas a adiar encomendas de máquinas contratadas. "Não tivemos nenhum cancelamento", diz Mosci, que admite os adiamentos das entregas e redução nas importações neste ano.
Em 2008, a companhia vendeu no país 165 locomotivas, a maioria importada dos EUA. Quase 40 foram produzidas aqui. A GE trouxe para Contagem uma linha de fabricação de máquinas de grande porte e de última geração tecnológica. Daqui, a empresa passou a exportar para outros países da região, para a África e para o Oriente Médio.
Na área financeira, nesta semana a companhia também inicia ajustes no quadro de pessoal no país. Na GE Money, devido à redução na procura por financiamentos, haverá enxugamento da ordem de 170 pessoas entre as quase mil do quadro. Para a GE Capital não há previsão, embora, segundo reportagem do "Financial Times" do fim de semana, será anunciado um corte global de 15 mil funcionários, de um total de 20 mil previsto em toda a GE.
O grupo busca reduzir sua presença na área financeira e, por isso, começou a baixar o nível de alavancagem. "De 6 por 1, já caiu para 4 por 1", informa Mosci. Até 2007, esse ramo de negócio respondia por 50% do faturamento anual da GE, mas com a reestruturação e saída de ativos, as áreas industrial e de infra-estrutura começaram a ganhar mais peso.
Os mercados da GE fora dos EUA deverão ficar com 60% da receita total do grupo em 2008, cujo balanço será divulgado na próxima sexta-feira. As economias emergentes, como os Bric - Brasil, Rússia, Índia e China - cada vez mais ampliam seu parcela. Até setembro, a receita atingiu US$ 136,3 bilhões, com lucro de 13,6 bilhões. A grande expectativa do mercado é sobre o desempenho da companhia no quarto trimestre, quando a crise mundial se aprofundou.
Jeffrey Immelt, presidente mundial da GE, que na semana passada fez uma viagem de dois dias ao México, como a realizada no Brasil há um ano, fez uma operação de blindagem da companhia, criando uma "barreira de liquidez" para navegar durante a crise, observa Mosci. Segundo ele foram US$ 15 bilhões em setembro e outubro, dos quais US$ 3 bilhões injetados pelo bilionário Warren Buffett, e recentemente captações de mais US$ 27 bilhões. "O grupo avalia que 2009 será um ano extremamente apertado".
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