Depois de cortar mais vagas do que realmente precisavam, as indústrias de vestuário e calçados agora planejam repor postos de trabalho. Intensivos em mão-de-obra, os segmentos admitem que exageraram na dose por temor da crise, que acabou se mostrando "mais psicológica do que real" nas suas vendas.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem que a indústria brasileira diminuiu o emprego em 1,8% em dezembro - cerca de 110 mil vagas no universo de seis milhões de trabalhadores investigado pelo estudo. Foi o maior recuo desde o início da pesquisa, em 2001. As maiores reduções no total de postos de trabalho atingiram as fábricas de roupas, sapatos, borracha e cigarros. Fortemente geradores de mão-de-obra, os ramos de vestuário e calçados foram os que mais contribuíram para a queda do emprego industrial apurado pelo IBGE. Os dois segmentos representam mais de 15% dos trabalhadores de toda a indústria.
"Sem dúvida alguma pode-se esperar uma reação do emprego no setor de calçados em breve", diz o consultor em inteligência comercial da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Ênio Klein. A indústria calçadista iniciou 2009 com o pé direito e deve reverter em breve as demissões que marcaram o fim do ano passado porque o varejo vendeu mais que o esperado. Mas a produção de sapatos recuou 13% e, segundo o IBGE, houve corte de 8,4% das vagas em dezembro.
As vendas de roupas no varejo superaram as expectativas dos fabricantes em dezembro (aumento da ordem de 5% a 6%), mas nem isso impediu o setor de reduzir as vagas em 8,7% no mesmo mês, como apontou o IBGE. O presidente do Sindivestuário, sindicato que reúne confecções de moda feminina, masculina, Ronald Masijah, avalia que a reposição de estoques deve se traduzir em novos empregos a partir de março, se nada de excepcional ocorrer até lá. "A expectativa é muito boa, já deveria ter havido retomada de reposição de estoques, mas o problema é que as notícias são muito negativas por conta dessa crise psicológica", afirmou.
Masijah confirmou os números do IBGE. "Fizemos uma sondagem e concluímos que realmente o setor demitiu fortemente: 40% das empresas disseram que fariam mais demissões do que contratações", completou. A produção do setor, contudo, recuou ligeiramente, 0,8%. De janeiro a setembro, o segmento já havia dispensado 6,1% dos trabalhadores, por causa das dificuldades em competir com os produtos baratos da China. O câmbio aliviou a competição desde então e o mesmo valeu para a indústria calçadista.
Klein destaca que as demissões no ramo de calçados acontecem com frequência por causa da rotatividade da mão-de-obra. "É uma concorrência perfeita que não pode pagar mão-de-obra cara", diz. Sendo assim, as fábricas demitem e recontratam novos funcionários por salários menores, para poderem competir de igual para igual com os produtos chineses.
Especialistas avaliam que a venda de bens semi e não duráveis acabam sendo beneficiadas, em certo ponto, na época de escassez de crédito. "Como não podem comprar carro e imóvel, os consumidores compram mais calçados e roupas, e isso se confirmou", diz Masijah.
Os números do IBGE mostram um paradoxo. Não foram os segmentos com produção mais afetada que tomaram a decisão de demitir mais. Ao contrário. A produção da indústria de material de transporte, que inclui as montadoras, aumentou o emprego em 1%. A indústria extrativa, que vive o tombo dos preços de petróleo e minério de ferro, aumentou o emprego, curiosamente, em 3,3%. O corte na produção de eletroeletrônicos e material de comunicação chegou a 60% em dezembro, mas as empresas aumentaram, no mesmo mês, o emprego em 3,3%. "Esses segmentos afetados pela crise não cortaram vagas, mas desaceleraram as contratações", pondera André Macedo, pesquisador do IBGE.
As maiores quedas no emprego, além de vestuário e calçados e couro, partiram das empresas de fumo (9,2%), madeira (11,9%). A produção de madeira recuou 14,8% no mesmo período. No setor têxtil, houve corte de 17% na produção e de 5,7% no emprego em dezembro.
"Em bases trimestrais, o emprego industrial vem sustentando resultados positivos há dez trimestres consecutivos, com desaceleração na passagem do terceiro (2,5%) para o quarto trimestre (0,3%), ambas comparações contra igual período do ano anterior", assinala a Pesquisa Industrial Mensal de Empregos e Salários (Pimes) do IBGE. A queda de 1,1% do emprego em dezembro em relação ao mesmo mês do ano passado é a primeira taxa negativa após 29 meses consecutivos de expansão.
No acumulado no ano, o saldo final é positivo, com crescimento de 2,1% do emprego na indústria em 2008.
A pesquisa mostra ainda que a folha de pagamento do setor fechou o ano de 2008 com ganho de 6,0%, mas recuou 0,7% em dezembro, queda considerada amena em comparação à redução do emprego. Para André Macedo, o pagamento de indenizações ajudou a manter elevado nível da folha de pagamentos.
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