Liquidez dos bancos já permite enfrentar novo período de estresse


O sistema bancário brasileiro começou o segundo bimestre de 2009 com liquidez mais do que suficiente para enfrentar eventual novo agravamento da crise financeira internacional. Divulgados no último relatório de estabilidade do sistema, testes feitos pelo Banco Central (BC) indicam que, no fim de fevereiro, as disponibilidades financeiras eram quase o dobro do necessário para fazer frente a saídas inesperadas de recursos em nova situação de estresse.

Essa foi a primeira vez que a publicação, de periodicidade semestral, tratou de testes de estresse relacionados à liquidez. As versões anteriores focaram somente o nível de capitalização.

O novo relatório confirma que os bancos públicos passaram pela pior parte da crise, em 2008, em melhor situação de liquidez, supostamente pela tendência de parte dos depositantes de correr para instituições garantidas pelo governo federal em momentos de incerteza. Analisados separadamente, os bancos privados, no entanto, também se saíram bem e encerraram fevereiro com substancial diferença, em torno de 43%, entre as duas variáveis usadas pelo BC para aferir a capacidade das instituições de honrar demandas inesperadas por saques e pagamentos de ajustes não previstos em mercados de derivativos.

A primeira dessas variáveis é a Liquidez Total (LT), que leva em conta ativos líquidos monitorados diariamente (como títulos públicos federais e posições ativas no interbancário) e ainda outros ativos, como cotas de fundos. A LT de cada instituição ou conglomerado bancário é comparada pelo BC com a respectiva Necessidade Estimada de Liquidez (NEL), nível de liquidez julgado necessário para suportar oscilações negativas na captação de depósitos e perdas associadas a mudanças de parâmetro de mercado em situação de crises.

Os gráficos divulgados no relatório indicam que, no fim de fevereiro de 2009, para uma NEL próxima de R$ 220 bilhões, o sistema bancário como um todo apresentava Liquidez Total (LT) em torno de R$ 430 bilhões, ou seja, cerca de 95% acima. Em relação especificamente aos bancos privados, os gráficos apontam, para a mesma data-base, NEL de R$ 160 bilhões e LT próxima de R$ 230 bilhões (em torno de 43% a mais).

O documento mostra que, desde junho de 2008, quando o aprimoramento de normas prudenciais obrigou as instituições a apurar e informar o comportamento diário desses dois indicadores, as linhas de evolução de cada um no tempo chegaram a se cruzar no caso do sistema bancário privado, de modo que a NEL passou a ser maior ou igual a LT. Mas esse fenômeno, ocorrido a partir de meados de setembro de 2008 (quando a crise iniciada em 2007 nos Estados Unidos se alastrou pelo mundo com a quebra do Lehman Brothers), durou pouco, acabando ainda no mês de novembro.

O BC pondera que, embora o comportamento visto nesse curto período tenha evidenciado enfraquecimento da capacidade de suportar situações de crise, as instituições privadas ainda teriam condições de fazer frente, em média, a 90% dos cenários de estresse tomados como referência para a NEL nos momentos em que essa superou a LT. A autoridade supervisora esclarece que, "no cálculo da Nel para aquele período, utilizaram-se cenários que comportavam situações ainda mais severas do que as enfrentadas até então, principalmente em relação a riscos de mercado" (associados a oscilação de taxas de juros e câmbio, por exemplo). Em outras palavras, a capacidade de enfrentar problemas foi calculada tomando como hipótese um cenário de volatilidade de preços de ativos ainda pior do que o efetivamente visto no Brasil durante a fase mais aguda da crise.

Passado o vendaval, a LT do sistema bancário privado cresceu e o hiato em relação à NEL ficou até maior do que era em junho de 2008. Portanto, especificamente sob o ponto de vista de capacidade para suportar pressões de liquidez, a situação tornou-se até mais confortável do que era. Em boa medida, contribuíram para isso as reações do próprio governo à crise. BC e Conselho Monetário Nacional atuaram para socorrer sobretudo bancos médios e pequenos.

Com as medidas - entre elas, liberação de recolhimentos compulsórios condicionada à compra de carteiras entre bancos -, os pequenos e médios bancos chegaram ao fim do primeiro bimestre com índice de liquidez (IL) até superior ao visto em junho de 2008. Depois de cair, esse índice, que é uma razão entre LT e NEL, também atingiu patamar superior ao de junho para bancos grandes.

O BC também divulgou, nesse relatório, qual seria o impacto de eventuais novas situações de crise sobre o nível capitalização dos bancos. Para tanto, o BC considerou a situação do sistema bancário no fim de dezembro de 2008 e sobre ela aplicou cenários de estresse em câmbio e juros e, ainda, de aumento de risco de crédito.

Como no relatório anterior, com data-base em fim de junho, nos novos testes, a volatilidade da taxa de câmbio mostrou ser o fator com menos potencial de geração de problemas de capitalização, por causa do baixo grau de exposição líquida do sistema a riscos cambiais (limitada por norma do BC).

O BC considerou um intervalo de oscilação da taxa entre R$ 2,06 e R$ 3,44 por dólar. Na data-base considerada, a taxa era de R$ 2,34. Desde então, o dólar caiu. Mas os testes mostram que um estresse de queda sequer alteraria o Índice de Basileia do sistema, que era em média de 17,8% em dezembro. O IB, cujo mínimo regulamentar é de 11% no Brasil, mede o nível de capitalização em relação aos ativos, ponderando-se pelos respectivos riscos. Numa eventual alta do câmbio, o IB médio do sistema cairia, mas pouco, para 17,2%.

Consideradas isoladamente, situações de estresse em relação a juros e risco de crédito teriam impacto maior, mas não suficiente para trazer o IB médio do sistema a níveis preocupantes. O índice ficaria em 15,7%, no cenário de volatilidade de taxa de juros, em 15%, na hipótese de rebaixamento, em dois níveis, da classificação de risco de todas as operações ativas de crédito do sistema.

Num cenário de choque triplo, ou seja, com volatilidade de juros e câmbio simultânea a um aumento de risco de crédito, o IB médio cairia abaixo do mínimo exigido no Brasil, chegando a 10,7%. Esse ainda seria acima do mínimo recomendado por acordos internacionais, que é de 8%, destaca o BC. Nesse cenário limite de estresse, de um universo de 114 bancos considerados no estudo, 43, que respondiam por 40,2% dos ativos totais ajustados (ATA) ficariam apenas desenquadrados, ou seja, abaixo dos 11%, mas ainda em condições de operar. Só oito ficariam insolventes, portanto, não poderiam continuar operando sem uma forte injeção de capital pelos acionistas. Mas essas oito respondiam somente por 14,4% dos ativos do sistema.

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