Legalizadas há 12 anos, as rádios comunitárias são cada vez mais usadas como instrumentos de política eleitoral, num processo que vem sendo chamado de novo coronelismo eletrônico. Ligadas a entidades que quase sempre têm um político municipalista por trás ? um prefeito ou um vereador ?, as rádios comunitárias são concedidas depois que os políticos federais desempenham o papel de despachantes de luxo no Ministério das Comunicações.
Alegando que precisam agir para vencer a intrincada burocracia de Brasília, senadores e deputados pressionam para agilizar a tramitação do processo de autorização das rádios comunitárias e ganham status de seus padrinhos políticos. É desse jeito que passam a integrar uma teia de captura de votos. A estimativa é de que cerca de 50% das 3.911 rádios comunitárias, que hoje funcionam legalmente no País, tenham contado com as bênçãos de padrinhos políticos.
"O parlamentar intercede aqui (em Brasília) para atender o cara (prefeito ou vereador) que vota nele lá no município. Aí, essa rádio fica falando bem dele para o resto da vida", confirma o deputado e ex-ministro das Comunicações (2004- 2005) Eunício Oliveira (PMDB-CE). "Há centenas de pedidos de políticos, mas a pressão maior ainda é de vereadores e associações. A rádio comunitária é o local da fofoca municipal. Para prefeito e vereador, ela é o cão", atesta ele, dono de três rádios comerciais no Ceará.
Os pedidos de concessão de rádios comunitárias não têm cor partidária ? mobilizam de petistas a tucanos, passando pelo DEM, PTB e outros partidos. Depois da legalização, em 1998, o boom das comunitárias ocorreu no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando foram autorizadas em apenas três anos 1.707 emissoras ? 569 a cada ano. Em pouco mais de sete anos do governo Lula, foram legalizadas 2.204 comunitárias ? mais de 300 ao ano.
Apesar da baixa presença no Congresso, ao longo da semana passada o Estado localizou facilmente dez exemplos de deputados e senadores confirmando que atuaram para ajudar na liberação de rádios comunitárias.
No fim da década de 90, a praxe, segundo parlamentares, era procurar o titular das Comunicações para agilizar o processo. Isso ocorreu nos casos dos deputados José Linhares (PP-CE) e Arnon Bezerra (PTB-CE). Em 1999 eles se apressaram a procurar o então ministro Pimenta da Veiga (PSDB) para interceder a favor de duas rádios comunitárias, Sal da Terra e Juazeiro, localizadas em seus redutos eleitorais ? Sobral e Juazeiro do Norte.
"Pedi a concessão não só dessa, mas de várias (rádios) em todo o Estado onde temos acesso à votação", conta Linhares.
Gabinete em ação. Passada a fase inicial da legalização das rádios comunitárias, os deputados e senadores começaram a atuar como despachantes, não necessariamente recorrendo ao ministro de Estado, mas ao departamento responsável pela tramitação dos papéis. A tática permaneceu igual: o lobby é sempre direcionado aos redutos eleitorais.
"Isso muitas vezes é o gabinete que faz. É questão de educação", revela o senador Magno Malta (PR-ES), que apadrinhou ao menos três rádios comunitárias nos dois primeiros anos do governo Lula (2003 e 2004). "Apoiar o pedido de uma associação que pleiteia uma rádio no seu Estado é obrigação nossa", defende o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor de projeto de lei que obriga as associações mantenedoras das comunitárias a ter ao menos dois anos de existência para pleitear a concessão.
Ex-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) reclama da legislação ultrapassada que, em sua opinião, facilita a influência política e o proselitismo religioso nas emissoras. O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) compartilha dessa opinião. "Como não tem fiscalização, algumas rádios comunitárias viraram palanque. Em ano eleitoral isso é pior ainda", diz Fruet.
Muitos políticos federais, mais ligados às "questões nacionais", veem as rádios comerciais como a "cereja do bolo", mas admitem que as comunitárias têm força em pequenas cidades. "A rádio comunitária é importante, principalmente quando é a única rádio da cidade", diz o deputado e radialista Ratinho Júnior (PSC-PR), dono de um império de emissoras comerciais no Paraná.
Mas a rádio comunitária também pode crescer de importância em período eleitoral nos locais de grande circulação e aglomeração de pessoas, mesmo em cidades grandes. O deputado e ex-ministro das Comunicações (2003) Miro Teixeira (PDT-RJ) cita como exemplo a rádio do Saara, localizada em um dos maiores centros de comércio popular do Rio. "Em época de campanha, faz fila na porta da rádio de candidatos querendo dar entrevista", conta Miro.
Mais padrinhos. Entre os dez parlamentares ouvidos pelo Estado que confirmaram atuação como despachante de comunitárias, está o líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA). Ele apadrinhou uma rádio em Caravelas, no sul da Bahia, e atuou ainda em favor de mais duas comunitárias.
Osmar Serraglio (PMDB-PR) confirma sua atuação a favor da Associação de Convivência Artística e Cultural de Janiópolis, em um de seus redutos eleitorais. A petista Serys Slhessarenko (MT) atuou como madrinha política de quatro rádios em Mato Grosso.
Líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (DEM-RN) fala de atuação via gabinete. Segundo levantamento do Estado, o senador é padrinho político da Associação Comunitária Princesa do Trairi, em São Bento do Trairi.
Cara Juliana e leitores, Leiam no blog Terra Goyazes, mais um capítulo da série A Idade das Trevas, inventário sobre o ruinoso período do tucanato no poder (1994-2002)! No ar e na rede o capítulo: O mito da eficiência da iniciativa privada, no endereço: http://terragoyazes.zip.net
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