Melhor ser temida que amada

Termômetro: A presidente Dilma Rousseff parece preferir ser a personificação dessa sábia lição de Maquiavel


Em recente aparição no programa culinário de Ana Maria Braga, a presidente Dilma deu uma declaração extremamente importante. Ela afirmou que mata um leão a cada dia na Presidência, que exercer o cargo que ela agora ocupa é como subir o Everest todos os dias. Essa declaração foi dada no segundo mês de exercício de mandato. Ela contrasta muito com afirmações de Lula ou de Fernando Henrique, já na etapa final de seus respectivos segundos mandatos, que indicavam que era fácil governar o Brasil.

O contraste entre eles tem a ver com o período no qual as afirmações foram feitas. Dilma, no início de uma experiência inteiramente nova; Lula e FHC, já calejados pelo exercício do mandato. A declaração de Dilma é absolutamente sincera. Ela afirmou, na verdade, que ainda não está à vontade na Presidência. Isso não surpreende. Apesar de exercer cargos políticos, Dilma nunca havia disputado uma eleição. A primeira que ela disputou e venceu foi para presidente. Se ela estivesse à vontade já no segundo mês de exercício de mandato, seria uma mulher prodígio.

A minha estimativa é que a presidente precisará de seis meses a um ano para fazer com naturalidade tudo o que um presidente precisa fazer, inclusive ir a público com frequência para divulgar e defender o seu trabalho, algo de que os seus aliados têm se queixado muito, mas não passa de um sinal adicional de que Dilma não está completamente à vontade, ainda repito, na Presidência. É preciso, como se diz, dar tempo ao tempo. É inevitável que Dilma se sinta, em breve, plenamente presidente.

Chamei a atenção, duas colunas atrás, para as diferenças de estilo de Dilma e Lula em razão de suas diferentes histórias sociais. Dilma é filha de uma família de posses, tem formação de classe média alta e grau universitário. Lula é filho do Brasil pobre, migrante nordestino para o "Sul maravilha" e sindicalista. Essas histórias inteiramente diferentes moldam personalidades também muito diferentes. É justamente por isso que a classe média tem estado positivamente surpreendida com o estilo Dilma. A classe média sente identidade com quem é de classe média e não com quem é operário e sindicalista. A classe média tende a sentir identidade com Dilma e tende a rejeitar Lula.

Outra diferença de estilo, também provavelmente resultado de suas diferentes formações, tem marcado o início do governo Dilma. Ela é mineira e se formou politicamente no Rio Grande do Sul. Lula é malemolente como um brasileiro oriundo de nossa região genuinamente tropical; Dilma é durona como são os gaúchos ou pelo menos uma subcultura importante do Rio Grande do Sul.

O capítulo 17 do livro "O Príncipe", de Maquiavel, é intitulado: "Da Crueldade e da Piedade - Se É Melhor Ser Amado ou Temido". Nesse capítulo, Maquiavel defende que o governante, caso tenha que escolher entre ser temido ou amado, deve preferir ser temido. Maquiavel não precisou conhecer Eduardo Cunha, Carlos Lupi, Pedro Abramovay, Emir Sader ou Paulo Paim. Maquiavel conhecia o comportamento humano e a lógica da política. Por isso ele afirmou nesse capítulo: "Os homens são geralmente ingratos, volúveis, simuladores covardes e ambiciosos e enquanto lhes fizeres bem todos estão contigo. Mas quando se avizinha a necessidade voltam-se para seu adversário. E o governante, se confiou plenamente em palavras e não tomou outras precauções, está arruinado". Dilma é a personificação dessa sábia lição de Maquiavel.

Abramovay deixou de ser secretário nacional de política sobre drogas porque foi a público defender um ponto de vista que mais parecia afinado com a recente campanha de Fernando Henrique sobre as drogas. Foi degolado. O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), considerando Furnas seu feudo particular, lutou para continuar tendo o mesmo poder nessa estatal. Dilma não quis que isso acontecesse e impôs a sua vontade. Ela mostrou que, diante da Presidência, Cunha não passa de um pigmeu político. Mesmo assim, ele votou junto com o governo no salário mínimo. Considero esse exemplo emblemático: Cunha apoiou o governo em uma votação de suma importância mesmo tendo sido anteriormente humilhado publicamente por esse mesmo governo.

Rapidamente chegou a vez do PDT de Carlos Lupi. Nove deputados do partido se comportaram como deputados de oposição na votação do salário mínimo. Pois bem, na semana passada ocorreu uma reunião dos líderes das bancadas dos partidos que apoiam o governo com Dilma. O líder do PDT não esteve presente porque não foi convidado. Maior simbolismo não há: para o governo Dilma não está claro ainda se o PDT apoia ou não o governo. A continuar dessa maneira, outros partidos ficarão felizes com a eventual queda de Lupi. Para que não passasse por constrangimentos desnecessários, o senador Paulo Paim (RS) foi chamado a conversar com Dilma sobre a votação do salário mínimo no Senado. Tudo resolvido. Paim, que sempre se opusera ao governo nesse tema, fechou questão pelo salário de R$ 545. Ponto para o governo.

O episódio mais recente foi no âmbito do Ministério da Cultura. Emir Sader, o ex-futuro presidente da Casa Rui Barbosa, já indicado e aceito para o cargo, mas ainda não oficialmente nomeado, decidiu criticar publicamente a ministra Ana de Hollanda. Quem fala o que quer ouve o que não quer e Sader ouviu do governo que ele não mais seria o presidente da, assim chamada carinhosamente, Casa Rui. À prepotência de Sader o governo respondeu com a guilhotina política. Foi indicado em seu lugar o renomado cientista político Wanderley Guilherme dos Santos.

Dilma prefere, sem dúvida, ser temida a ser amada. Eis uma das marcas gaúchas de seu estilo político. Dilma vem mostrando publicamente uma coisa que todos já sabiam: não há poder maior do que a Presidência e isso é uma má notícia para aqueles que não andam na linha, pois ela fica no Palácio do Planalto pelo menos até 2014.

Concordo plenamente com Dilma: no mundo da política, o poder precisa ser exercido. O estilo da presidente tem levado até mesmo alguns supostos líderes e partidos a cair no patético. O presidente do PDT apareceu, ele se chama Manoel Dias e o primeiro e única cargo eletivo que teve foi de deputado estadual por Santa Catarina nos anos 1960. Manoel Dias, conhecido pelos amigos como Maneca, afirmou após a reunião de líderes de bancada para a qual o líder do PDT não fora convidado: "Não estamos em confronto com o governo". Pois bem, para o governo isso precisa ser provado e o PDT não poderá nas próximas votações se comportar como fez quanto ao salário mínimo.

Ser mais temida que amada tem dado certo. O governo Dilma alcançou uma unidade formidável de sua base parlamentar de apoio. Já foram oito votações nominais e abertas na Câmara dos Deputados. Tomando-se todas elas, o PR foi o partido menos fiel, com um grau médio de adesão ao governo de 75% dos deputados. A maior adesão vem dos 12 deputados do desconhecido PT do B: 91,48%. Nas três votações ocorridas no Senado, foram muitos os partidos nos quais 100% dos senadores votaram com o governo: PT, PTB, PR, PSB, PC do B e o único senador do PRB.

Esse comportamento da presidente pode ser atribuído ao fato de ela ainda não estar completamente à vontade no exercício do cargo. Não creio. Isso parece mais o estilo Dilma do que algo que tenha a ver com a conjuntura. Parece mais algo pessoal, relacionado à sua personalidade, do que uma adaptação ao cenário político atual.

Veremos em breve se essa minha avaliação é verdadeira. No decorrer de 2011, serão muitas as oportunidades para conferirmos se Dilma escolherá sempre ser mais temida que amada. Se ela fizer isso, terá sucesso. Em particular porque se trata de um comportamento político adequado a um período de austeridade, a um período no qual é necessário tanto cortar gastos quanto aumentar os juros. Ser amado não condiz com a execução de uma agenda austera. Justamente por isso Lula saiu amado, também pelo mundo político governista, ao fim de seu segundo mandato. Quanto mais Dilma for temida na primeira metade de seu mandato, mais condições ela terá de ser amada na segunda metade.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".

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