O choro e o vexame


O colunista Ancelmo Gois - quem diria! - perdeu uma oportunidade histórica de ficar calado.


Eis o que ele publicou hoje, sob o título “Dilma 2010”:

“A ministra Dilma Rousseff chorou ontem em público, depois de cinco anos de modelito dama-de-ferro. Agora não resta mais dúvida: é candidata à sucessão de Lula.”



Se sete páginas antes, na mesma edição, o leitor já não tivesse se deparado com o porquê do choro, no digno relato do repórter Ricardo Galhardo, podia achar que se tratava de uma daquelas tiradas da imprensa que justificam o velho dito sobre a serventia dos jornais nas barracas de peixe da feira.



Mas, sabendo dos motivos das lágrimas da ministra, leitor algum poderá ser condenado se achar que o colunista ultrapassou o limite da irresponsabilidade, ficando perto de cometer uma infâmia que seria a negação de sua admirável carreira.



Sendo portanto colossal a distância - como se queira medi-la - entre um Ancelmo Gois e os membros da rancorosa família política dos Azevedos e Mainardis, de quem apenas seria de esperar uma nota do gênero, conto no relógio quanto falta para o colunista se desculpar profusamente do vexame.



Enquanto isso, compartilho com o eventual leitor o texto de Galhardo. A propósito, o Globo foi o único dos jornalões a noticiar, sob o título “O choro da ex-guerrilheira” e com chamada na primeira página, o evento em que a ministra não segurou - nem devia segurar - as emoções.



Lá vai:



"Vista dentro e fora do governo como administradora austera e política durona, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, deu vazão ao seu lado emocional, ontem, durante evento promovido por alunos da Faculdade de Medicina da Santa Casa, em São Paulo. Dilma foi às lágrimas e mal conseguiu terminar seu discurso durante uma homenagem ao amigo Chael Charles Schereier, morto em 1969 nos porões da ditadura militar. A cerimônia foi realizada pelo Centro Acadêmico Manoel de Abreu (CAMA).

Chael e Hiroaki Torige, ambos exalunos da Santa Casa mortos pelas forças da repressão do regime militar, foram homenageados com um memorial no CAMA. Dilma, que militou com Chael na organização clandestina Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAL-Palmares) nos anos de chumbo, foi convidada para encerrar o evento - que também teve a participação do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e do exministro da Justiça José Gregori - com um relato de sua convivência pessoal com o companheiro morto.

Cercada de ex-colegas de militância política e até ex-companheiras de cela, Dilma sucumbiu ao clima de comoção.Com a voz embargada, olhos marejados, se dirigindo diretamente à mãe de Chael, Emília Schereier, que estava sentada na primeira fila, a ministra abreviou sua fala aos prantos.

- Mesmo na clandestinidade a gente vive. E viver significa ter alegrias, amizades, gostar das pessoas. Conheci profundamente o Chael e quero dizer à senhora, que é mãe, que na minha vida ele sempre vai continuar presente e que, como ministra chefe da Casa Civil, ele compõe uma parte disso - disse Dilma, deixando rapidamente o microfone com as lágrimas escorrendo pelo rosto.

A reação da ministra fez com que vários outros ex-presos políticos, professores da Santa Casa e alunos fossem às lágrimas.

Filho de uma família judaica, Chael liderava o movimento estudantil na então recém-fundada faculdade da Santa Casa. Ele foi dirigente da União Estadual dos Estudantes e, a partir da decretação do AI-5, em 1968, partiu para a luta armada na VAL-Palmares, onde também militava a então estudante Dilma Rousseff.

Algumas ex-colegas de prisão de Dilma na ditadura foram ao evento para reencontrar a hoje ministra.

- Ela era uma menininha, não tinha nem 20 anos, mas discutia macroeconomia de igual para igual com economistas consagrados que também estavam na prisão - lembrou a jornalista Rose Nogueira.

Preso no dia 21 de novembro de 1969 e levado ao Batalhão da Polícia do Exército no Rio de Janeiro, Chael morreu no dia seguinte, aos 23 anos, durante uma sessão de torturas. Ele foi enterrado com nome falso no cemitério de Perus, em São Paulo, e seu corpo nunca foi identificado.

- A reação da ministra foi surpreendente e emocionou a todos. Enquanto organizávamos este evento descobrimos que aquele hospital centenário, aqueles tijolos, guardam muitas histórias e os alunos não têm noção disso - afirmou a presidente do CAMA, Maíra Benito Scapolan."

Postado por Luiz Weis em 8/12/2007 às 11:22:36 AM

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