O mago da gestão


O brasileiro que salvou a Nissan, a Renault e quer revolucionar a cultura do automóvel

Pessoas de empresas do mundo todo se deslocam e pagam para ouvir em suas raras aparições em seminários um dos brasileiros de maior destaque no mundo empresarial, Carlos Ghosn, o homem que salvou da bancarrota a montadora japonesa Nissan e ainda é até hoje o único não-japonês a presidir uma das grandes empresas do Japão.

Ghosn chegou ao Japão em 1999 como o enviado especial da Renault, montadora francesa que se entrelaça à Nissan, e vice-versa, por meio de um acordo cruzado de participação acionária. Presidente de uma empresa com tradição enraizada, perdendo mercado e dinheiro e sem falar japonês, estava destinado a fracassar aos olhos de todos — não aos dele. Cortou custos, demitiu — heresia num país em que emprego era para toda a vida — e recrutou sangue novo, automatizou a montagem, reformulou a distribuição e lançou novos modelos.

Em pouco mais de um ano, já era visto pelos operários da Nissan e pela imprensa japonesa não como o bárbaro invasor, um Asterix sem nenhum outro atributo que não cortar e cortar, mas como salvador — o “shogun” da Nissan, que chegou, fez, reformou e se impôs.

Deu-se tão bem que foi chamado a Paris em 2005 para outra missão considerada impossível: recuperar os encantos da Renault, a velha senhora que ficara passada no mercado automobilístico, sem charme, e que agonizava encalhada. Mais uma vez ele acertou. E firmou sua imagem de mago da gestão, além disso, transcontinental, já que de Paris seguiu dirigindo a Nissan. Ou de Tóquio a Renault — nem ele, um legítimo executivo globalizado, deve saber ao certo.

Dirigir duas empresas rivais, pois unidas apenas pelo cruzamento acionário, com culturas totalmente estranhas uma à outra, já seria assombroso. Se tocar um só negócio é uma missão apavorante, o que dizer de dois gigantes como Nissan e Renault. Separadas pelo fuso de oito horas, de modo que quando o parisiense acorda o japonês já voltou do almoço, então, é um acontecimento invulgar.

Toda a vida de Ghosn é uma experiência única. Nasceu no Brasil de pais libaneses, educou-se em Beirute e Paris, e já era global pela sua formação não convencional antes da própria globalização dos negócios, dos costumes e das culturas. Nele se confundem a frieza racionalista de quem tem pressa, bem típica da cultura empresarial americana, com a sensibilidade da escola de negócios européia.

Foi este empresário complexo e instigante que o presidente Lula recebeu em audiência no fim de tarde de quarta-feira para saber os planos da Nissan/Renault para o país. O formalismo da agenda não lhe deve ter permitido revelar o melhor de si, seu lado estadista e visionário, inspirando o presidente com suas reflexões.

Mercado muda de país
Muito da visão de Ghosn foi exposta no mês passado num evento da Stanford Graduate School of Business, em Palo Alto, Califórnia. O mercado automobilístico, segundo ele, está se deslocando dos EUA, Europa e Japão, ainda os grandes fabricantes mas em declínio, para novos emergentes, como Índia, Rússia, China, Brasil e África, onde as vendas crescem ao ritmo de 20% ao ano. Em 2007, Brasil deve ter puxado a fila, mas Nissan e Renault são coadjuvantes no país.

Brasil está no mapa
Embora promissor, e Ghosn tenha família no Rio, onde passa o fim do ano, Nissan/Renault só faz 3% das vendas no mercado brasileiro. A fábrica do grupo no Paraná, com capacidade para 50 mil veículos ao ano opera a 20% da carga. Ghosn quer mais e deve ter falado disso com Lula. A tendência é que cresça a importância do Brasil no mapa global da Nissan/Renault. Pelo menos um lançamento de peso está programado para 2008, um sedan da Nissan. E virão outros.

Carro por US$ 3 mil
Mais interessante seria pôr o país no circuito das megatendências do setor automotivo, uma missão tomada por Ghosn pessoalmente. Ele tem duas visões: 1ª, vencer a barreira do custo e montar um carro popular, de baixo consumo de combustível e vendido por até US$ 3 mil. Para isso, a Nissan/Renault se associou a duas montadoras da Índia, Ashok Leyland e Bajaj Auto. A meta é 2011; 2ª, preparar-se para o cenário do petróleo caro e restrição ambiental, cogitando opções de motores híbridos, como os flex nacionais, e elétricos.

Também atento às tendências do consumo, ele negocia com Google, Microsoft e Apple, visando fazer do carro mais que um transporte. Inovação é isso e quem a viabiliza dispara na frente. É por aí.

Ghosn está fazendo tudo certo. Convenceu-se de que veículos que consomem muita energia e combustível logo estarão obsoletos. Sabe que os investimentos em tecnologias de ruptura são enormes, além de resultar de experiências cruzadas e acumuladas. “Quanto mais a indústria juntar forças, mais se evitam custos”, ensina. Aprendeu que o futuro está na integração geopolítica, misturando mercados maduros, como Europa e EUA, com os asiáticos e os emergentes.

Só visão e sagacidade, porém, não traz sucesso a ninguém. Vem daí sua obsessão com gastos e erros, mas os pequenos. “Eles são fáceis de resolver”, diz. A pior coisa, para ele, é “esconder um problema e deixar a organização desviar-se de seu curso”. Conselhos sábios, para os governos. E o que você não sabe resolver? “Olhe em volta”, sugere. “As melhores lições gerenciais estão na vida real.” É uma pena que venha pouco ao Brasil. Ghosn inspira o desenvolvimento.

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