O dia inteiro dentro do carro


O relatório da Transparência Brasil dedicou um capítulo para detalhar as despesas dos distritais. Ao lado das Assembléias do Rio Grande do Sul e de São Paulo, a Câmara Legislativa é uma das poucas Casas que divulga as informações sobre a natureza dos gastos dos deputados. A partir dos dados informados no site da Câmara, a ONG concluiu que para justificar toda a gasolina comprada pelos parlamentares locais em 2007 eles teriam de passar o dia inteiro dirigindo um carro.

Os cálculos usados na pesquisa estão atualizados até outubro, mas há dois dias os distritais disponibilizaram as informações mais recentes. Até onde a ONG teve acesso, em dez meses os deputados usaram um terço da verba indenizatória para abastecer veículos. O valor é de R$ 722 mil, o que segundo o estudo daria para percorrer 235 mil vezes a extensão do Plano Piloto e fazer uma média de 49 viagens desse tipo, por deputado, a cada dia útil. No ano todo, foram gastos R$ 922 mil nesse quesito.

“Considerando-se que uma viagem de ida e volta ao longo das asas demora cerca de uma hora, disso resulta que as 24 horas de cada dia, todos os dias úteis do ano, seriam gastas pelos deputados nesse trânsito para que eles conseguissem gastar tanto dinheiro com combustíveis”, especula o relatório.

Ajuda a assessores

O campeão dos dispêndios com gasolina, o deputado Wilson Lima, não confirma que tenha passado todo o tempo do mandato sobre rodas. Ele explica que os recursos da verba indenizatória abastecem não só o carro que utiliza pessoalmente, mas os veículos dos assessores do gabinete. E afirma que não nega nem carona e nem combustível a quem precisa. “Não tenho coragem de dizer não para uma pessoa sem condições financeiras que pede a minha ajuda”, diz.

Dois cientistas políticos e um historiador ouvidos pelo Correio afirmam que o maior problema levantado na pesquisa não está no valor das despesas dos parlamentares, mas se correspondem à verdade dos gastos dos legisladores. Os especialistas avaliam que a possibilidade de desvio da lei por essa categoria de políticos é a pior característica detectada. No caso do DF, seis dos 24 distritais — ou seja, um quarto da Casa — respondem a processos na Justiça ou em tribunais de contas.


Palavra de especialista


“O mais grave não é o quanto se gasta pelo Poder Legislativo, mas o fato de não haver mecanismos de transparência dos representantes sobre suas despesas. As pessoas precisam ter segurança de que o dinheiro investido com deputados e senadores é destinado aos fins propostos”
Alberto Aggio, professor de História Contemporânea da Universidade Estadual Paulista (Unesp)

“Imunidade parlamentar dá margem a impunidade parlamentar. Infelizmente muitos políticos se elegem para buscar abrigo no mandato. Existe ainda uma outra categoria que vira deputado ou senador e depois se sente à vontade para entrar na vida do crime”
David Fleischer, professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB )

“Os parlamentares brasileiros não podem reclamar de falta de condição de trabalho para produzir e acho até que cumprem o papel de fiscalizar e propor leis. O que pega muito mal é o fato de haver muitos deputados e senadores envolvidos com escândalos de corrupção”
Lucio Rennó, professor do Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas da UnB

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