O processo de privatização da Cia. Energética de São Paulo (Cesp) está pegando fogo nos bastidores. O motivo foi a identificação de um grande risco para os potenciais compradores. As suas duas maiores hidrelétricas, que respondem por nada menos que 67% da capacidade de geração da companhia, não poderão ter suas concessões renovadas em 2015, quando completam 20 anos, segunda as atuais regras do setor elétrico. A rigor, teriam que ir a leilão novamente.
A incerteza não deve ser resolvida antes da publicação do edital, esperado para a próxima semana, ou mesmo antes do leilão. Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, a Cesp só conseguirá manter as duas hidrelétricas - Ilha Solteira e Jupiá - a partir de 2015 se houver uma mudança da lei ou uma nova interpretação, algo que, hoje, não está no cenário.
A atual legislação, que impede renovações, não impacta somente a Cesp. Também em 2015, grande parte do parque gerador do país, incluindo usinas federais de Chesf e Furnas, além da estadual Cemig, terá suas concessões encerradas. Para especialistas do setor, isso transforma o problema em um risco setorial, o que pode levar o governo a buscar uma alternativa no futuro. Há estimativas de que os ativos totais que terão suas concessões vencidas em 2015 valeriam entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões.
A eminente troca de controle da Cesp antecipou uma discussão setorial que só deveria ocorrer no meio da próxima década.
"Uma medida provisória ou um projeto de lei são as únicas formas de mudar a legislação", diz o advogado David Waltenberg, especialista no assunto. Ou seja, em ambos os casos seria necessária a tramitação no Congresso Nacional.
Com alternativas à mudança da lei, especialistas apontam outras duas possibilidades. Segundo Ariovaldo Pires, do Albino Advogados, é possível transformar as usinas nos chamados produtores independentes. Na prática, o novo controlador poderia contar com a energia por um prazo de 30 anos, fugindo às regras de concessão.
Uma outra alternativa discutida entre advogados e interessados na geradora paulista é a renovação da concessão com pagamento de ônus ao governo, o que lembraria o modelo adotado no governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, a concessão não é onerosa e a lógica do modelo é a menor tarifa. Mas esse aspecto é polêmico, porque, a rigor, mesmo a concessão onerosa exigiria nova licitação. "Para fugir disso, só encontrando uma nova interpretação da lei, mas ainda assim seria difícil", diz uma pessoa ligada ao processo de privatização.
A única coisa certa neste momento é que a renovação da concessão está longe de ser líquida e certa e isso afeta diretamente a geração de caixa futura da Cesp. Afinal, não é possível precisar qual a sua receita de 2015 em diante e esse risco está sendo avaliado por empresas do setor, consumidores e fundos financeiros interessados na venda da Cesp.
Todos aguardam a divulgação do edital de privatização, contendo o preço mínimo do leilão, para começar a fazer suas contas e avaliar o real apetite pela geradora.
O interesse não é pequeno. A Cesp é um dos últimos grandes ativos de geração de energia a disposição e ainda conta com as vantagens de estar localizado no principal centro consumidor e possuir enormes reservatórios de água.
Dado o tamanho do negócio, o mais provável é a formação de consórcios para a compra. Multinacionais como Suez, dona da Tractebel, e Energias de Portugal (EDP) já visitaram o data room da privatização, além de grupos nacionais como CPFL, Light e Cemig. Aparentemente, nenhum consórcio foi fechado ainda. Mas há rumores de que Suez e Neo Energia poderiam se unir. EDP, Light e Endesa também teriam conversado. Há ainda informações de montagem de um consórcio de grandes consumidores, liderado pelo grupo Votorantim, que também poderia contar com Alcoa. Outro consumidor com grande interesse na privatização é a Vale do Rio Doce.
Boa parte dos recursos para a compra da Cesp deverão ser financiados, tanto no exterior como em operações domésticas. O valor total a ser desembolsado extrapola o que será pago ao governo por suas ações (44% do capital total), já que algumas categorias de minoritários têm "tag along" (direito de receber o prêmio da venda).
Mas o risco regulatório envolvendo a renovação das concessões está dificultando as negociações para obtenção de crédito. Na hora de conceder financiamento, os bancos esbarram no comprometimento do fluxo de caixa a partir de 2015. "Eu não aprovaria um crédito para um cliente que incluísse em suas projeções a geração de caixa a partir dessa data", diz o executivo de um banco.
O Fator, contratado pelo governo para avaliar a Cesp, estimou o preço mínimo por ação em R$ 45. O Citi, responsável pela modelagem de venda, apontou valor um pouco inferior. As ações da Cesp (PNB) fecharam ontem em R$ 46.
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