Conceição da Barra (ES) – A Aracruz Celulose utilizou funcionários para legitimar a aquisição de terras em Conceição da Barra e São Mateus, no interior do Espírito Santo, para plantar milhares de hectares de eucaliptos no início dos anos 70. Eles receberam terras devolutas do governo do estado e as repassaram para a empresa, como mostram registros em cartórios. Cerca de 24 mil hectares de terras nesses municípios são reivindicados hoje por quatro comunidades quilombolas. “As comunidades foram expulsas ou pressionadas a vender as suas terras a preços baixos”, afirma o líder quilombola Domingo Firmiano dos Santos, o Chapoca.
Com base em depoimentos prestados à CPI da Assembléia Legislativa que investigou em 2001 supostas irregularidades em licenças ambientais concedidas à Aracruz, 13 entidades entraram com representação no Ministério Público Estadual em 2004. Pedem a investigação da legalidade das aquisições de terras feitas pela Aracruz por meio de funcionários. A representação cita 65 áreas. “Após ‘legitimarem’ as terras em seus nomes, repassavam essas terras para a Aracruz Celulose. Foram mais de 13 mil hectares de ‘legitimação’ de terras ‘transferidas’ por esses empregados e ex-empregados à empresa”, diz a representação.
Segundo a representação, Orlindo Bertolini fez requerimento para aquisição de 997 hectares em São Mateus. “No processo de legitimação dessas terras aparece o nome do presidente do Conselho de Administração da Aracruz Celulose, Erling Sven Lorentzen, que firmou procuração onde nomeava um dos procuradores que atuou junto a órgãos do estado, para proceder a transferência das terras legitimadas pelos empregados e ex-empregados para Aracruz Celulose, numa atitude que, em tese, corroborava as irregularidades que estavam sendo cometidas para as legitimações e as transferências, o que só faz aumentar a necessidade de intervenção do Estado para reaver essas terras.”
A empresa diz que a aquisição de suas terras foi realizada de acordo com os princípios constitucionais e a legislação da época, que “permitia a legitimação de terras para projetos de pecuária, agricultura e agronegócio. Foi nesse contexto que a Aracruz adquiriu suas terras”. Segundo avaliação da companhia, “o aparecimento de nomes e funcionários da Aracruz nada tem de irregular, tendo sido apenas um recurso para atender os apertados prazos do Plano Nacional de Desenvolvimento e da legislação sobre reflorestamento. Era evidente a boa-fé da empresa e de seus funcionários, tanto que fazia constar dos processos de legitimação que as áreas destinavam-se a integrar o programa de reflorestamento da Aracruz”. A empresa acrescentou que pagou pelas terras, que também teriam sido compradas por seus funcionários.
Desde domingo, numa série de reportagens, o Correio vem expondo o preço político da desvastação no Espírito Santo. A Aracruz é muito influente no estado. Nas últimas eleições, fez doações de R$ 6,5 milhões.
Litígio
Os maiores territórios em litígio no estado são os de Linharinho (9,5 mil hectares), em Conceição da Barra, e São Jorge (13 mil hectares), em São Mateus. Os relatórios técnicos de identificação e delimitação dessas áreas já foram publicados. São documentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Esses territórios estão delimitados, mas há inúmeras fases processuais até a sua titulação.
Pelo Decreto 4887/2003, consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
A empresa afirma que as reivindicações pela demarcação de terras para comunidades descendentes de quilombolas “é uma questão que não afeta somente a Aracruz Celulose. As demandas impactam as atividades de diversas empresas e até mesmo pequenos proprietários rurais que adquiriram legalmente suas terras no passado. A reinvindicação é baseada em um decreto cuja constitucionalidade está sendo argüida no STF. Cabe à Justiça resolver”.
Depoimento
Depoimento de ex-funcionários da Aracruz Celulose na CPI da Assembléia Legislativa do Espírito Santo que investigou, em 2001, irregularidades nos licenciamentos ambientais concedidos à empresa.
Ivan de Andrade Amorim
Afirmou que, após adquirir as terras, as titulou para as empresas Brasileste, Vera Cruz e Aracruz Celulose, garantindo: “Fiz isso por liberalidade. A empresa me pediu, e não hesitei, porque era um pedido da empresa. E, por ter sido bem tratado, sempre tive bom relacionamento. Titulei, mas nada recebi. (…) Na época, assinei o requerimento, depois que a escritura foi liberada, não sei em que período, outorguei a escritura para a empresa”.
Orlindo Antônio Bertolini
“Trabalhei para a Aracruz Celulose de 1968 a 1998”. Afirmou que tinha um sítio em Aracruz. Perguntado se teve outras áreas, respondeu: “Tive outras e passei para empresa, depois de legitimadas. Tinha consciência de que iriam ser requeridas em meu nome para passar posteriormente, depois de legalizadas, para a Aracruz. Foi de imediato, assim que as adquiri, passei para a Aracruz”. Afirmou que “essas terras foram só legalizadas em meu nome para que eu passasse para a Aracruz, para uso de reflorestamento de eucalipto”. Correio Braziliense
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