Vinte anos depois, PSDB ainda tem dificuldades para se aproximar das bases sociais, reconhece FHC


Gente, vocês sabem e eu não preciso aqui me tornar repetitiva:"Eu tenho nojo da cara de Fernando Henrique Cardoso" O velho, se acha. Morreu. Mas esqueceram de enterrar. Volta e meia o velho babão, desata a falar tolices. Nós entendemos. Depois de uma certa idade, os velhinhos voltam a infância. Não sabem o que diz.

Massss, os meus dois leitores, me escreveram nesta manhã, solicitando que aqui neste espaço, fosse publicado uma entrevista do FHC ao jornal Valor Econômico, que também é só para assinantes. Atendendo vocês, ai vai. Tomem, antes de ler, um dramim, para não vomitar no teclado!

No dia 25 de junho de 1988 o PSDB nasceu sob a proposta de estar "longe das benesses oficiais mas perto do pulsar das ruas". Vinte anos depois da criação, seu enraizamento popular está longe de se concretizar. Um dos autores do programa inaugural do partido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, reconhece as dificuldades do PSDB de se aproximar das bases da sociedade mas diz que a força do partido são seus quadros e a perspectiva de poder de seus candidatos em 2010.

O ex-presidente recebeu o Valor na sede do Instituto que leva o seu nome, no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo, depois de um de seus encontros mensais com alunos do ensino médio de escolas paulistas. Diz não estar percebendo grandes diferenças entre os alunos de escolas públicas e privadas. O critério de escolha das escolas que visitam o Instituto é a posição no Enem. Durante uma hora e meia, mal tocou no sanduíche que pediu. As dores na coluna, que lhe incomodaram durante a Presidência, só voltam quando enfrenta longas viagens de avião, como a que lhe trouxe recentemente da China.

A seguir, a entrevista, concedida na noite de terça-feira, véspera de seus 77 anos:

Valor: O PSDB resgatou, no documento do Congresso de 2007, a frase do programa inaugural do partido "...nasce longe das benesses..."

Fernando Henrique Cardoso: Fui eu que escrevi. Disseram que foi o (Franco) Montoro. Fui eu, o (José) Serra, e tem muita coisa do Eduardo Graeff.

Valor: O senhor voltou a fazer essa cobrança em 2006, em uma carta aberta. A que o senhor atribui essa dificuldade do PSDB de se aproximar dos movimentos sociais e dos sindicatos?

FHC: Não é uma dificuldade só do PSDB. É de todos os partidos. O que tinha ligação, que é o PT, perdeu também. Ele está próximo dos líderes sindicais. Os sindicatos perderam relevância na vida social brasileira. Já houve épocas em que os sindicatos mobilizavam, faziam greve. Não tem mais isso. O número de filiados caiu muito. O que ficou foi uma camada sindical, que se organizou muito ao redor da CUT e da Força Sindical. Quando fazem manifestação de massa é porque tem prêmio, tem sorteio de casa. Não é uma coisa politizada. Estávamos num horizonte pré-queda do muro de Berlim. Tinha uma movimentação diferente das massas. O mundo de lá para cá tomou outras características.

Valor: E os movimentos sociais?

FHC: Esses têm força. Mas quais? Tem o MST. E mais quais? A força das pastorais caiu muito. Quem tem força mobilizadora sem estar ligado ao aparelho do Estado, através dos convênios, das ONGs que recebem o recurso? Houve uma especialização da política, que se chama erroneamente de classe política. É muito desconectada do cotidiano. Não é só do sindicato, é em geral. A sociedade assiste ao espetáculo da política pela televisão, pelo jornal. Assiste de fora.

Valor: Se essa dificuldade se deve às transformações havidas desde a fundação do partido, por que o PSDB não foi capaz de se adaptar a essas mudanças?

FHC: Foram mudanças em sentido contrário ao que imaginávamos, uma sociedade muito mais baseada em movimento social, em classe social. Não foi para esse lado que a sociedade foi. Houve um processo no mundo no sentido de prevalência do mercado, de redução da conexão entre a sociedade e a política. Agora o que existe é um momento eleitoral em que o PSDB está bem. Governa grandes Estados, tem candidato à sucessão presidencial. Continua sendo um dos pólos de poder.

Valor: O senhor não acha que o fato de o PSDB ter dado grande visibilidade às questões de Estado, à questão fiscal, da estabilidade da moeda, enquanto o PT se aferrou nas questões sociais, dificultou essa aproximação com a sociedade?

FHC: O PT não se aferrou mais. O governo Lula sim. Mas o PT não. O PSDB se aferrou mais às questões de Estado. Mas ganhou as eleições de São Paulo, de Minas, do Rio Grande do Sul, que são os grandes Estados. O problema é sociológico, não é político só. Como é que se forma um pólo de poder hoje? Nós fomos mais para o padrão americano do que para o europeu, onde se tem partidos que são eleitorais. Não estou dizendo que eu gosto. Digo o que é. São partidos que se mobilizam eleitoralmente, mas não no cotidiano. Nos Estados Unidos tem uma diferença, porque o Congresso tem ligação com a sociedade. O voto é distrital, renova a cada dois anos. O Congresso responde mais imediatamente. O nosso Congresso não, flutua, porque a sociedade vota e se esquece em quem votou. A questão é: por que o PSDB se coloca como pólo? Porque tem candidatos.

Valor: O partido não fica resumido à perspectiva de poder?

FHC: A dinâmica se dá por aí. O PSDB tem outra coisa, que só ele e o PT tem. É visão, visão do que fazer do país. Só que o PT perdeu a dele. Eu cobro muito isso. Ganhar a eleição pode até ganhar, mas ganhar para quê?

Valor: Se o senhor ganhou as eleições pelo Real e o Lula pela perspectiva de ganho de renda dos mais pobres, o que fará o vencedor de 2010?

FHC: Fui eleito pela estabilidade da moeda que deu ganho às pessoas. E fui reeleito pela mesma razão. Não foi só por isso, mas a massa melhorou de vida. No caso do governo do Lula eles ampliaram os benefícios sociais. Isso é importante, deu a eleição e reeleição ao Lula. Mas tem uma coisa que ninguém chama muito a atenção, que é o segundo turno. O Lula quase perdeu no primeiro turno na reeleição. Ninguém liga para as questões de corrupção? Não é verdade. O PSDB podia ter ganho a eleição nessa segunda vez. Sua estratégia foi bastante errada. Você nunca pode ganhar uma eleição se você não apostar numa mudança. É sempre a mudança. Olha o slogan do Obama: "You can change". Agora mudar o quê?

Valor: O que o PSDB pode oferecer ao eleitor como mudança que o candidato do Lula não possa?

FHC: O PT não tem candidato. O candidato do Lula quem é?

Valor: Mas o PSDB sabe quem é o seu candidato?

FHC: Vai ser um dos dois (Aécio Neves e José Serra).

Valor: E são iguais?

FHC: Qualquer um dos dois tem força. O Serra tem mais neste momento. Chega um momento na política que tem que personalizar, tem que fulanizar. Eleição não é só o discurso. É o discurso mais a pessoa. O Serra e o Aécio têm o que dizer. Têm história.

Valor: Se o PT imprimiu uma velocidade maior aos programas sociais, o senhor acha que o PSDB teria como se comprometer com uma velocidade ainda maior?

FHC: Não sei como vai ser daqui a dois anos. Qual vai ser a situação no Brasil, no mundo. Nem sei se é preciso isso para ganhar a eleição. Campanha não é programa de partido. É a emoção daquela hora.

Valor: Se a eleição presidencial fosse hoje, qual seria a bandeira do PSDB?

FHC: Nós fazemos melhor e com menos corrupção.

Valor: Mas isso não foi suficiente para levar em 2006...

FHC: Mas foi quase. Houve muitos erros que PSDB não enfrentou. Acho espantoso o Lula ter ido para o segundo turno. As pessoas esquecem disso.

Valor: Se houve segundo turno por causa do dossiê, a corrupção será bandeira suficiente em 2010?

FHC: O PSDB tem bons candidatos e tem capacidade de discurso. Nós fizemos, começou no meu tempo, vamos continuar. Se fizemos quando eles se opunham, agora que eles não se opõem é mais fácil. No Brasil você não sabe nem qual é a legenda. Vota na pessoa. Para o PSDB é importante assumir que é o partido da modernização. Isso não é para o povo. Para o povo tem que traduzir em coisas concretas. Olha, se melhorei em São Paulo, em Minas, porque é que não posso mudar no Brasil?

Valor: Mas se os Estados vão ser a vitrine, o que fazer com a vitrine da Yeda Crusius? O senhor distinguiu o caixa 2 do senador Eduardo Azeredo dizendo que o dinheiro do mensalão foi drenado de estatal enquanto o de Minas era de empresa privada. E o de Yeda, não é de estatal?

FHC: Eu não conheço a administração do Rio Grande do Sul, por isso não quero falar. Foi uma alegação feita por um parlamentar de que teria havido financiamento. Mas não houve nada de mais concreto. E a Yeda demitiu. A diferença é que no governo do Lula eles passam a mão na cabeça. "É aloprado, ah, não é tão grave assim". "Fez um dossiê contra o ex-presidente no Palácio, mas não é dossiê, é banco de dados". Isso não tem no PSDB.

Valor: O senhor não acha que a falência das CPIs desgastou esse discurso da corrupção?

"Como é que se pode imaginar união com um partido (PT) que tem uma visão meramente eleitoral?"

FHC: Não estou defendendo o discurso da corrupção, embora, por valor, ache que não se pode anuir com isso. O Brasil passou do limite. Se quisermos ser um país sério, não dá para ser assim. Não pode haver uma falta de reação tão grande . Tudo tem uma desculpa. O Lula chegou a dizer que a lei eleitoral é uma mentira. Ele está em campanha. Cada um tem seu modo de ser. Mas não é republicano.

Valor: O senhor acha que a bandeira da eficiência administrativa bastará ao PSDB?

FHC: Não é suficiente. Tem que mostrar que será capaz de melhorar a vida das pessoas. Eleição é uma fala do candidato com as pessoas. Tem de ter credibilidade. O PSDB pode dar o guarda-chuva para essa conversa: fizemos isso, aquilo. O PSDB não defendeu a privatização, mas isso é muito fácil. Pega um celular, você não quer? O povo não é contra o avanço.

Valor: As pesquisas mostram que a população, em grande parte, continua resistindo às privatizações. Por quê?

FHC: Porque ninguém sabe o que é. A visão quem faz é o político. Tem que argumentar e mostrar o que fez bem. É o político que tem de mostrar.

Valor: Mas como defender a privatização se existe um abismo entre este discurso e a aceitação popular?

FHC: Não adianta fazer discurso em tese da privatização. Porque a população em tese é contra, porque acha que o Estado é melhor. Mas depende como se fala. Não sei se ainda tem alguma coisa que precise privatizar. Tem que avançar nas estradas, nos portos. A população não é a favor nem contra porto. Nem você vai colocar isso como tema da campanha. O tema é como você vai melhorar a sua vida. O Serra pode falar que a taxa de homicídio caiu fortemente.

Valor: Já o Aécio tem índices crescentes de violência em BH...

FHC: Não sei. Pode ser. Mas o Serra não. Pode falar da escola, da saúde. Precisa ser alguém que tenha a convicção de falar. Há condição de haver uma certa unidade e afinar o discurso.

Valor: Qual a diferença que o senhor vê entre o PT e o PSDB?

FHC: O PT tinha uma visão que não cumpriu. Ele seguiu a nossa visão, na verdade. Esqueceu da visão que apregoou o tempo todo. O PT assumiu em geral as mesmas linhas , mas teve um DNA mais dirigista, estatizante e intervencionista. Além do mais, o partido acabou sendo a mola da transformação. Só que não é para transformar nada, a não ser para reforçar uma espécie de capitalismo de Estado com presença dos sindicalistas, via fundo de pensão. O PT aderiu, na prática, ao nosso programa em termos macroeconômicos. Tudo o que está aí foi feito por nós ou não foi? A Lei de Responsabilidade Fiscal, o câmbio flutuante, as metas de inflação, as agências reguladoras.

Valor: O governo Lula não está fincado numa política de expansão de crédito muito mais agressiva?

FHC: Isso é outra coisa. A diferença é que agora tem dinheiro e eu não tinha. Daqui a pouco vão ter que tomar algum cuidado porque a inflação está subindo. O governo do Lula foi responsável, do ponto de vista macroeconômico. Mas o desenho da política é nosso, não é deles. Eles iam quebrar tudo e não quebraram nada. Mesmo na questão do crédito, a lei que permitiu melhorar o crédito veio de antes, foi a lei da alienação da propriedade. A visão que o PT tem de como se toca o país é muito menos institucional. Nossas diferenças são mais da área da política do que da economia.

Valor: E qual a diferença entre o PSDB e o DEM?

FHC: Não posso dizer tudo o que acho... O DEM tem uma visão mais liberal e é um partido, digamos assim, do contribuinte. Mexeu em imposto mexeu com o DEM. Fora isso tem uma visão mais liberal. Acredita mais no mercado. O PSDB não acredita tanto no mercado. Nunca concordei com a privatização da Petrobras. Nem do Banco do Brasil. Eles queriam. Acho que em um país como Brasil o setor público deve ter peso. Deve ter certo equilíbrio, mais controle social.

Valor: Se a diferença fundamental com o PT é política, ela seria intransponível para fazer nacionalmente uma aliança como a do Aécio com o Pimentel em Minas?

FHC: Eu esperava que o Lula, em 2003, tivesse uma atitude que levasse a uma convergência. Por razões eleitoreiras, o caminho escolhido foi outro. Foi escolher como inimigo principal o PSDB e se aliar com o que havia de mais fisiológico no Congresso. E fizeram a mesma política macroeconômica, dizendo da herança maldita, da qual vivem até hoje. O Brasil vai ter problemas de definição importantes para o futuro. Um é no campo da energia. Esse petróleo que tem aí. Quando tem? Vamos trocar mineral por neurônio. Vamos usar isso aí para pensar numa mudança educacional no país ou vamos resolver a Previdência? Tem que ter um discurso nacional. O Lula está com um discurso municipal. Como é que pode imaginar união com um partido que tem uma visão meramente eleitoral? Dessa maneira vai querer que o PSDB seja satélite. Não vai ser.

Valor: Que cara o PSDB terá em 2010 se o candidato for Serra? E se for Aécio?

FHC: A cara do PSDB é a mesma. O estilo de fazer política é diferente.

Valor: Eles pensam o Estado do mesmo jeito?

FHC: Grosso modo, sim. Até porque você tem um partido que existe, não dá para ir contra a opinião do partido. Não vejo discrepâncias maiores. As diferenças estão no estilo. Aécio é de um estilo mais afeito à tradição brasileira, agrega mais no plano político. O Serra é mais de ter posição clara. Isso é estilo pessoal. Sei que meu estilo é mais parecido com Aécio do que com o do Serra. Estilo por estilo, Aécio é mais parecido comigo.

Valor: O PSDB terá condições de assumir candidatura de oposição a Lula?

FHC: Por que não? O PT esquece que o candidato não será Lula. Quero ver o Lula apoiar um candidato.

Valor: O senhor quer dizer que ele vai querer todos a seu favor?

FHC: Pelo estilo...

Valor: O PSDB nasceu com a proposta de democracia interna. Porque transformou-se num partido de cúpulas, sem prévias?

FHC: Vai ser feita uma agora, na convenção em SP. Quem quer candidato próprio e quem não quer. Mas a proposta que tínhamos era a de núcleos que, ao contrário dos diretórios, não discutem o poder interno no partido, mas a participação na sociedade. Não fizemos isso porque a sociedade se desconectou muito de todos os partidos. Você tem amplas camadas da população que não estão são representadas. Vá à periferia de São Paulo. Tem vida lá. Tem vida ativa, cultural, organizações, muita bolsa, Ongs em quantidade. Não tem conexão com uma visão do país, com partido. Tem a ver com a conexão com o líder local. Como vai dar representação política numa sociedade fragmentária e de massa como é a nossa?

Valor: Haverá prévia em 2010?

FHC: No PSDB a decisão terá de ser submetida a uma força maior. Na eleição de 2006, é uma ilusão achar que foram três ou quatro que decidiram. Foi um jantar sim, mas não foi para decidir quem seria o candidato. Se o Serra não tivesse desistido de ser candidato, ele ia disputar no diretório. Cá entre nós, ele tinha maioria e podia disputar. Ele achou que não era o caso. Achou que não tinha força e que podia perder. Hoje talvez ele se arrependa, que até pudesse ter ganho. Não é verdade que tirou do bolso do colete. Quando um desistiu, foi o outro. Discutido em clube fechado coisa nenhuma. Só pode ter prévia numa disputa. Quando só vai um, o que faz?

Valor: Como o senhor vê essa aproximação com Quércia, com quem o PSDB rompeu ao nascer?

FHC: É uma questão eleitoral. Os partidos, nas eleições, fazem alianças que não têm coerência ideológica. Até porque não existe uma consistência ideológica na maioria dos partidos. O PMDB não é o esteio do governo Lula hoje?

Valor: O senhor mencionou o debate sobre as novas reservas de petróleo. Qual é a diferença de fundo entre PT e PSDB?

FHC: Não há convergência nem divergência. Não há pensamento efetivo. Precisamos de uma linguagem com maior grandeza. Há momentos para ganhar eleição, mas não pode ser só eleição. Não estamos discutindo o país. Ponho no plural. Não é só o PT. Estou também criticando o PSDB. Se todo político não está tendo capacidade de levantar temas de relevância nacional que permita essa reconexão entre a sociedade e o poder. Não se ganha eleição sem chama. E eu sei ganhar eleição. Ganhei várias, inclusive do Lula. O líder não tem que ter maioria, tem que fazer a maioria. Senão não muda nada. Você ficar o tempo todo só vendo para qual lado as pessoas estão indo, você não é líder. Tem de ver o que é melhor para o Brasil. Você não inova se não tiver esse sentimento, você faz política, mas sem P maiúsculo... Vai ver que é porque eu sou apenas professor.

Cristiane Agostine e Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico

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