De volta ao conforto da casa


Surpreendentemente sorridente e afável — ao contrário do banqueiro Daniel Dantas e do megaempresário Eike Batista, que também enfrentam problemas com a Justiça —, o ex-fugitivo número um do Brasil, Salvatore Cacciola, desembarcou na madrugada de ontem no Rio, depois de oito anos foragido, e 10 meses preso em Mônaco. Disse que confia na Justiça brasileira e apenas reconheceu sua culpa em se deixar capturar no principado, depois de um “exílio” na Itália.

O ex-banqueiro disse que, se soubesse que seria preso, não teria dado uma escapadinha até Mônaco, onde não resistiu a uma fezinha num cassino local. “Errei (ao ir para Mônaco)”, admitiu o fundador do banco Marka, que quebrou em 1999, depois da maxidesvalorização do real, e, junto com o FonteCidam, deixou prejuízo de R$ 1,6 bilhão.

Bem disposto, apesar do cansaço da viagem, deu a entender que espera ser solto em breve, embora condenado à revelia. “Me sinto tranqüilo (sic) porque confio na Justiça. Eu estou voltando preso, mas é bom lembrar que outras pessoas que foram condenadas junto comigo nesse processo estão trabalhando, são livres, ganham o seu dinheiro”, afirmou.

Figura central de um dos maiores escândalos financeiros do país, Cacciola referia-se ao então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, e à diretora de Fiscalização do BC, Tereza Grossi, que pegaram, respectivamente, 10 e seis anos em regime fechado, mas recorreram e respondem ao processo em liberdade. O advogado do ex-banqueiro, Carlos Eli Eluf, disse que espera conseguir um habeas corpus dentro de 15 dias. Um pedido já foi feito ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A defesa alega que a prisão cautelar ou preventiva não pode ultrapassar 81 dias, prazo já cumprido por Cacciola em Mônaco. Antes de analisar o mérito do habeas corpus, o presidente do STJ, ministro Humberto Gomes de Barros, vai aguardar informações do Ministério da Justiça e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, além de parecer do Ministério Público Federal.

O próprio Cacciola antecipou sua linha de defesa, alegando que não era foragido. “Eu fui para a Itália, com o meu passaporte carimbado, saí do Brasil oficialmente e, quando saí, saí livre, graças a uma decisão do STF do ministro Marco Aurélio Mello, que anulou a decisão do ministro (Carlos) Velloso. Só quando eu já estava lá a decisão foi anulada, e então eu resolvi ficar”, afirmou. Cacciola foi condenado à revelia, em 2005, pela juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, a 13 anos de prisão por peculato (utilizar-se do cargo exercido para apropriação ilegal de dinheiro) e gestão fraudulenta.

Pop star
Camisa pólo branca, jeans, tênis brancos, cabelos compridos, óculos escuros, aparentando estar bronzeado, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola parecia tudo ontem, menos um preso comum. No desembarque no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio, vindo de um vôo que o trazia do Aeroporto de Nice, na França, Cacciola podia perfeitamente ser confundido com um pop star chegando para um show na cidade. Seguido a distância por agentes federais e funcionários do Ministério da Justiça, todos à paisana, sem algemas, ele contou até com um esquema especial de transporte, que tinha mais a ver com sua privacidade do que com segurança. Ao descer as escadas pela parte traseira do avião da TAM — depois de 11 horas de viagem —, embarcou num carro que o esperava na pista do aeroporto, poupando-lhe do registro da cena constrangedora. Do aeroporto, foi para a Superintendência da Polícia Federal, fez exame de corpo de delito, que atestou sua boa forma física, e em seguida, a conselho dos advogados, deu uma rápida entrevista coletiva — com a logomarca da PF ao fundo, como fazem os times com patrocinadores —, onde posou de vítima das circunstâncias.

Só quando eu já estava lá a decisão foi anulada, e então eu resolvi ficar

Salvatore Cacciola, ao explicar que não era foragido


Do Club Med para o Maracanã
Rio de Janeiro – É, no mínimo, uma tremenda mudança de paisagem. Desde que deixou sua prisão em Mônaco, seguiu de helicóptero para Nice, no sul da França, e depois de avião, numa poltrona classe econômica, para o Rio, o padrão de vida do ex-banqueiro Salvatore Cacciola só faz cair. Ainda sem saber seu destino final no Brasil, Cacciola vai ter saudades de Mônaco, onde até a prisão tinha seu charme. Localizado na mesma encosta que o centro histórico do principado, perto do Museu de Oceanografia, um dos mais importantes do mundo, e do palácio real, onde vive o príncipe Albert II, o prédio onde ficou preso lembra um castelo. Com capacidade para 90 detentos e celas individuais de 6 metros quadrados, a prisão é chamada de Club Med pelos habitantes de Mônaco por causa do ponto nobre em que se situa.

A maioria das celas tem vista para o Mediterrâneo. Em suas primeiras horas no Rio, Cacciola foi apresentado a uma das maiores chagas do sistema prisional fluminense, o presídio Ary Franco, no subúrbio do Rio de Janeiro, onde ficou numa sala da administração. À noite, segundo a direção, foi para uma cela, onde poderia ter que dormir no chão, já que não há camas para todos os detidos.

Chamado pelos presos de Maracanã, o Ary Franco é a porta de entrada para o sistema prisional do Rio. As galerias de celas são um ambiente péssimo. Mesmo sendo uma unidade de triagem, onde deveriam permanecer por no máximo 30 dias, muitos presos cumprem boa parte ou toda a pena ali. Não será certamente o caso de Cacciola. Para garantir cela especial para o ex-banqueiro, seus advogados apresentaram um diploma de direito para provar sua graduação. Foi o primeiro passo para tirá-lo de lá. Enquanto isso, viajaram para Brasília atrás de sua libertação. Construído em 1974, o Ary Franco tem capacidade para 958 presos, mas o número é sempre bem maior. Cada galeria comporta de seis a oito celas com aproximadamente 35 metros quadrados cada, que podem abrigar, de acordo com o número de leitos, de 16 a 27 detentos. Se o Maison d’Arrêt estava mais para o Castelo de Caras, o Ary Franco está mais para um calabouço medieval.

Como nem tudo é imperfeito, nas prisões brasileiras sabidamente Cacciola não enfrentará as dificuldades que tinha no presídio de Mônaco, onde só podia ter contato pessoal com seus advogados e celulares e internet eram terminantemente proibidos. Cacciola tem dois filhos, Fabrizio e Rafaela, frutos de seu primeiro casamento. Na Itália, ele se separou de sua segunda mulher, a ex-modelo Adriana Alves de Oliveira, Miss Brasil 1981. Não se sabe se Cacciola atualmente está namorando. (RM)

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