Governo deve elevar capital da Petrobras, diz presidente


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sinalizou ontem que o governo deverá mesmo criar uma estatal para administrar as reservas de petróleo da camada pré-sal. O presidente também confirmou a possibilidade de utilizar parte dessas reservas para aumentar o capital da Petrobras e a participação da União na estatal.

Mesmo tomando o cuidado de dizer que a decisão ainda não é oficial, Lula falou com desembaraço das hipóteses em estudo. Citou o modelo norueguês, que tem uma estatal, a Petoro, administrando as reservas, e uma empresa no estilo da Petrobras, a Statoil, fazendo exploração, e reiterou que o marco regulatório precisa ser alterado para que a União passe a ganhar mais com a extração de petróleo no país.

"Quando falamos em empresa estatal, não queremos criar uma outra Petrobras. Na verdade, é outra coisa parecida com o que acontece na Noruega. É uma pequena empresa, que na Noruega deve ter 60 funcionários. É o Estado cuidando do petróleo. É essa empresa que vende o petróleo, que negocia. É isso o que nós poderemos fazer", informou o presidente, para em seguida ressalvar: "Não está certo ainda".

Os comentários foram feitos na manhã de ontem, durante a gravação de entrevista ao programa 3 a 1, da TV Brasil, que é ligada à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). A entrevista, que durou uma hora, foi transmitida às 22 horas de ontem.

Sobre o aumento de capital da Petrobras, o presidente revelou que a idéia é capitalizar a empresa com parte do patrimônio da União na camada pré-sal. Isto seria feito, segundo apurou o Valor, mediante utilização de parte das reservas das áreas adjacentes aos campos da camada pré-sal já licitados. Essas áreas pertencem à União, mas são separadas por linhas divisórias imaginárias dos poços já leiloados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

O presidente disse que receberá no próximo dia 5, das mãos do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, o relatório final da comissão interministerial criada para propor mudanças no atual marco regulatório do petróleo. "A partir daí pretendo fazer um debate com a sociedade brasileira", informou. A ambição de Lula é aprovar as mudanças antes do fim de seu mandato. "Queremos que a União tome conta desse petróleo. Tudo o que vamos fazer não é uma coisa para o meu governo, é para o futuro. Só vamos tirar petróleo em escala industrial daqui a uns seis anos."

Lula afirmou que a mudança da legislação se justifica porque, com a camada pré-sal, "não há mais risco" na extração de petróleo no Brasil. "Agora, você já sabe que tem petróleo e nós precisamos ser mais donos desse petróleo, afinal de contas, 50% do que foi achado até agora é da União. Temos que saber o que vamos fazer com ele", argumentou, acrescentando que a idéia é direcionar os recursos para educação e combate à pobreza.

O presidente contou que conversou sobre o assunto com o primeiro-ministro da Noruega. "Ele me disse que a única coisa que eles querem saber são as regras, e que, "na Noruega, eles cobram 78% de imposto. Todo mundo paga e ninguém reclama"". Preocupado em não melindrar a Petrobras e seus defensores, Lula disse que as novas regras vão "fortalecer" a estatal. "Todos os países que encontraram petróleo fizeram mudança na lei para se proteger e fortalecer a sua empresa. É isso o que vamos fazer. Vamos fazer uma coisa com muito juízo porque a Petrobras é essa coisa extraordinária."

A seguir, os principais pontos da entrevista do presidente Lula à TV Brasil, da qual o Valor participou como convidado:

Paulo Lacerda

"Confesso que tenho o Paulo Lacerda como um homem extraordinário que o Estado brasileiro produziu. Há a denúncia de que a Abin tinha feito escuta. A melhor forma para apurar, inclusive, deixando o Paulo Lacerda muito mais à vontade, foi afastá-lo de lá para que a investigação fosse feita pela PF. O Paulo Lacerda é um profissional da mais alta competência. Pode voltar a hora que quiser depois que forem concluídas as investigações. Desminto (a informação de que já teria decidido afastá-lo de forma definitiva). Eu que tenho que tomar (a decisão) e não tomei. Paulo Lacerda é uma pessoa que eu respeito como profissional como poucas neste país. Agora, todo mundo pode cometer erros."

Algemas

"Acho que tem que colocar algema no pé, no pescoço, no braço, mas no cidadão que for culpado. Agora, colocar algema para fazer uma investigação é autoritarismo demais. Já fui cidadão comum e hoje sou presidente. Sei o que sentia do lado de lá, a vontade que todo mundo fosse preso, mas é tão bom que haja justiça, porque, quando não há, o arbítrio toma conta do país. Temos que ter paciência com a democracia. Acho um equívoco também quando o juiz determina a prisão na casa de uma pessoa para pegar papel."

Operação João-de-Barro

"Esta foi uma operação que me deixou chateado. Você prende cem prefeitos antes das eleições e todos ficaram maculados como corruptos. Quando você procura a Polícia Federal e a procuradoria e pergunta quantos efetivamente são culpados, (eles dizem) "não sabemos, porque ainda não analisamos os papéis."

Casamento homossexual

"A vida inteira defendi o direito à união civil. Temos que parar com hipocrisia porque a gente sabe que existe. Tem homem morando com homem, mulher morando com mulher e muitas vezes vivem bem, de forma extraordinária. Nós temos que parar com esse preconceito. Cada ser humano viva sua vida do jeito que bem entender, desde que não moleste a vida dos outros. Participei da conferência nacional, e uma coisa que me cala profundamente é por que os políticos que são contra não recusam os votos deles, por que o Estado brasileiro não recusa o imposto de renda que eles pagam?"

Aborto

"Trago essa posição desde 82, tenho uma posição que é tratar de aborto como questão de saúde pública. Por que morre muita gente fazendo aborto clandestino? Porque é proibido o Estado cuidar. Você encontra menina de 14, 15 e 20 anos tentando furar o útero com agulha de tricô, tomando chá de caroço de abacate, tentando colocar fuligem, todas essas coisas feitas de forma inadequada. Por falta de a legislação permitir uma orientação adequada, você vê as pessoas morrerem. Eu sou contra o aborto. Minha mulher é contra o aborto, até porque acho que nunca a mulher que faz aborto, faz porque quer ou por prazer, faz porque é constrangida por situação e é nessa hora que o Estado tem que dar atendimento a essas pessoas.

Nesse caso não é questão de machismo ou não, é preconceito histórico, tabus religiosos que precisamos superar. Tem meninas contaminadas com aids, meninas que ficam grávidas precocemente, ficam grávidas sem querer ficar grávidas, talvez porque o pai ou a mãe não educou corretamente. Porque não recebeu orientação."

Tabagismo

"O ministro Temporão já mandou para a Casa Civil uma proposta. A Casa Civil está em fase final de avaliação e eu vou mandar para o Congresso proibindo fumar em locais fechados, ou seja, só se o cara tiver sozinho, quiser fumar e quiser se matar ele pode."

Seleção brasileira

"Não acho que o culpado é o Dunga. É importante lembrar que ficamos de 1970 até 1994, sem ganhar uma Copa do Mundo. Foram 24 anos e passaram dezenas de técnicos pela seleção brasileira, inclusive um dos melhores, que foi o Telê Santana que levou para campo aquela seleção extraordinária e nós perdemos duas copas com o Telê. O problema não é o técnico, o problema é que eu penso que é preciso um pouco mais de amor à causa. Um torcedor quando vai no estádio ou você está na frente da televisão, o que você quer? Você quer que o jogador se esforce, que ele demonstre que está brigando no jogo. Corra atrás da bola.

Palocci e Dirceu

"Antigos não, companheiros. O fato de eles não estarem no governo não mexe na minha relação de amizade. Aliás é uma coisa que prezo. Que eu carrego para o fim da vida, porque ninguém me obrigou a ter amizade. Amizade é uma coisa que a gente escolhe. A saída dos dois apenas mostrou para a sociedade que ninguém é imprescindível. Que ninguém é insubstituível. As pessoas que estão no lugar deles (Guido Mantega e Dilma Rousseff) estão dando uma demonstração extraordinária e os dois companheiros estão reconstruindo suas vidas. É assim que tem que ser a vida."

Terceiro mandato

"Democracia é uma coisa tão séria que a gente não pode brincar com ela. Daqui a pouco alguém quer o terceiro mandato, o quarto mandato, daqui a pouco alguém quer o quinto. Está de bom tamanho. Eu era favorável a um mandato só. Quatro anos é muito pouco para executar um programa. Com um mandato de quatro anos, se você começar a fazer um projeto para construir uma hidrelétrica, termina o mandato e não consegue a licença prévia do Ibama ainda. Ou talvez o Ministério Público proibiu. É preciso ter um tempo para executar um programa. E eu já tive meu tempo. Com a graça de Deus, sou agradecido todo dia por estar dando certo as coisas. Que venha outro e que faça mais. A única coisa que vou dizer é o seguinte. Quando eu terminar o meu mandado, tudo o que nós tivermos feito, eu vou registrar em cartório. Quem entrar no meu lugar vai receber tudo o que foi feito no meu governo, tudo que está contratado, quantos metros de obra estão feitas. Vou deixa lá sabe por que? Porque eles vão dizer assim: "se aquele torneiro mecânico que não foi nem à universidade fez tudo isso, eu tenho que fazer mais"."

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