Falando para uma platéia de líderes mundiais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou ontem ações firmes e conjuntas do mundo capitalista capazes de fazer frente à crise financeira que sacode os mercados desde a semana passada. No discurso de abertura dos debates da 63ª Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nos Estados Unidos, Lula atacou a ganância dos especuladores, criticou a falta de regras e ressaltou a ética e o papel do Estado.
O presidente brasileiro citou o economista Celso Furtado para dizer que é inadmissível privatizar os lucros e socializar as perdas. “O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores”, afirmou. Segundo Lula, o estouro da bolha imobiliária americana “não será superado com medidas paliativas”.
Durante seu discurso, Lula ressaltou que muitos dos problemas que fazem o sistema financeiro balançar agora já eram previstos e que, por essa razão, “a euforia dos especuladores” não pode ser transformar “em angústia dos povos”. “As indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política”, reforçou Lula.
Tradicionalmente, o presidente do Brasil é o primeiro a ocupar a tribuna na assembléia da ONU. Neste ano, Lula deu ênfase à economia, mas lembrou a importância das nações na busca por energia limpa, a crise alimentar e a paralisação da Rodada de Doha. Abaixo, trechos do discurso do presidente.
“A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos após a sucessão de naufrágios financeiros. O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos”
Os bancos dos Estados Unidos, para aumentar os lucros, emprestaram muito dinheiro para pessoas com baixa capacidade de pagamento que aceitavam juros elevados. Depois, revenderam os títulos das hipotecas para outras instituições. Os devedores deixaram de pagar as prestações dos imóveis quando os juros subiram, provocando prejuízos em seqüência entre os bancos, levando à quebra de alguns e à estatização de outros e gerando uma crise de desconfiança que atingiu todas as economias do planeta.
“As indispensáveis intervenções do Estado mostram que é chegada a hora da política. Somente a ação determinada dos governantes será capaz de combater a desordem que se instalou nas finanças internacionais”
O medo de um possível efeito dominó dominou os mercados, obrigando governos dos países desenvolvidos a saírem em socorro das instituições para impedir uma quebradeira generalizada. A ameaça de falência nos últimos dias fez com que autoridades de alguns países se empenhassem pessoalmente na tentativa de diminuir os riscos de curto prazo. É o caso de Estados Unidos e Rússia, que até agora buscam convencer suas populações de que há saídas.
“A ausência de regras favorece os aventureiros e oportunistas. É inadmissível, dizia o grande economista brasileiro Celso Furtado, que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, socializadas“
A falta de regulação e de uma maior fiscalização por parte dos órgãos norte-americanos são apontadas como as principais razões da crise global. Muitos analistas já previam o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos e agora atacam o comodismo do governo Bush. Para os críticos, a turbulência internacional poderia ter sido evitada em 2007, o que livraria o contribuinte de pagar US$ 1 trilhão do Tesouro norte-americano para comprar os papéis sem valor e sem interessados que estão com os bancos.
“Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas, e até fascistas, que nos fazem evocar tempos que pensávamos superados.”
Países europeus discutem alterações significativas em suas legislações para tonar mais rígido o controle de entrada e saída de imigrantes. Conceitos difusos de mão-de-obra barata, salário justo e oportunidade para todos empolgam correntes conservadoras e fortalecem forças políticas que andavam apagadas no Velho Continente. Tal debate preocupa as nações em desenvolvimento porque tende a estimular rivalidades, chegando até mesmo a reforçar preconceitos.
“Está em curso a construção de uma nova geografia política, econômica e comercial no mundo. No passado, os navegantes miravam a Estrela polar para “encontrar o Norte”, como se dizia. Nosso “norte”, às vezes, está no sul.”
A liberalização comercial é um tema conflituoso para países ricos e pobres. As últimas tentativas de equilibrar o jogo expuseram diferenças quase intransponíveis. O fracasso da Rodada de Doha é um exemplo. A proposta das nações emergentes é que o mundo se renda à capacidade produtiva e que as potências econômicas suspendam barreiras tarifárias e diminuam seus subsídios para que mais mercadorias possam ser trocadas em igualdade de condições, sem privilégios.
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