O Senado Federal em 2008 foi marcado mais pela geração de fatos políticos do que pela produção legislativa propriamente dita. O presidente Garibaldi Alves (PMDB-RN), na tentativa de tirar a Casa do desgaste provocado pelos processos por quebra de decoro parlamentar sofridos pelo seu antecessor, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi pródigo em manifestações de independência em relação ao Palácio do Planalto.
Movido por pressão da mídia, adotou medidas de combate ao nepotismo na Casa, revogou ato da Mesa Diretora que autorizava a contratação de 99 funcionários sem concurso público pelos senadores e mandou realizar novas licitações para substituir contratos de mão de obra terceirizada, que estavam suspeitos de superfaturamento.
Garibaldi passou o ano criticando publicamente o excesso de medidas provisórias editadas pelo governo - muitas vezes diante do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegando a roubar a cena em solenidades no Palácio do Planalto. Por fim, em decisão inédita, decidiu devolver ao governo a polêmica MP que prorrogava as concessões de instituições filantrópicas, incluindo aquelas suspeitas de irregularidades. O gesto gerou controvérsia jurídica, já que a MP tramitava na Câmara dos Deputados.
No fim dos trabalhos, Garibaldi envolveu-se em uma crise com a Câmara, depois que o plenário da Casa aprovou a proposta de emenda constitucional (PEC) que criava mais de 7 mil cargos de vereadores no país. Sob o comando de Arlindo Chinaglia (PT-SP), a Mesa Diretora da Câmara recusou-se a promulgar a PEC, por não aceitar a retirada, pelo Senado, de artigo aprovado pelos deputados reduzindo as despesas das câmaras legislativas municipais. Numa reação imediata, Garibaldi impetrou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Câmara.
O julgamento no STF ocorrerá apenas no ano que vem. Também foi adiada a solução para o caso das filantrópicas, já que o projeto de lei apresentado para substituir a MP devolvida não andou. Eleito em dezembro de 2007, após renúncia de Renan, Garibaldi provocou polêmica ao obter aval da bancada do PMDB para se lançar candidato à recondução. Para isso, apresentou pareceres jurídicos atestando que, por ter sido eleito para um mandato "tampão", não estaria sujeito à proibição constitucional de reeleição numa mesma sessão legislativa.
A maratona de votações da longa sessão plenária do dia 17, que terminou às 6h do dia seguinte com a aprovação de 32 matérias - entre elas o projeto que cria o fundo soberano do Brasil (FSB) e a PEC que aumenta as vagas de vereadores no país -, não reflete a média da produção da Casa.
Em 2008, foram realizadas 250 sessões no Senado, 120 delas deliberativas (destinadas a exame de matérias). Mas somente em 35 delas houve votações. Nas demais, ou faltava acordo entre os líderes partidários ou a pauta estava trancada por alguma MP com prazo de tramitação vencido. As MPs impediram as votações em 57 sessões.
As MPs entram em vigor assim que editadas pelo presidente da República, mas são transformadas em lei depois da aprovação na Câmara e no Senado. Pelas regras em vigor, elas ganham prioridade na pauta 45 dias depois da edição, barrando o exame de qualquer outra proposta. As MPs perdem a validade se não forem votadas no Congresso em 120 dias.
Ao todo, foram apreciados pelo Senado 49 MPs, 10 PECs, 202 projetos de lei de senadores (PLS) e 84 projetos oriundos da Câmara, além de projetos de decreto legislativo e de resoluções da Casa, escolha de autoridades e requerimentos, totalizando 1.756 matérias deliberadas pelos senadores. O item campeão é o das homenagens de pesar, votos de aplauso ou semelhante: 499.
Embora a oposição tenha ajudado a aprovar duas medias provisórias que aumentavam os salários de mais de 450 mil servidores e votado rapidamente as MPs editadas para combater a crise financeira, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), avalia que ela se manteve forte na Casa, "atuando como ponto de equilíbrio para evitar a hipertrofia demasiada do Poder Executivo".
Para ele, o Senado teve "altos e baixos" em 2008. Como ponto alto, cita a rejeição dos recursos para compor o fundo soberano. Como ponto baixo, cita a aprovação da PEC dos Vereadores, que ele considerou "um erro" e assume "culpa", por não ter sido contra. Quanto à baixa produção, Virgílio aponta o trancamento de pauta por MP como principal razão.
A líder do PT, Ideli Salvatti (SC), contesta. "Como é que a gente conseguiria ter mais produção se o Arthur Virgílio fala 46 vezes numa sessão, como chegamos a contar?", pergunta. Segundo a petista, é a obstrução da oposição que dificulta as votações e acaba obrigando o governo a enviar propostas por MP, como ocorreu com o aumento do salário mínimo. "Veio por projeto de lei e, como demorou a ser votado, teve que vir por MP, senão o aumento não entraria em vigor a tempo", diz.
Entre os projetos do Senado que foram sancionados por Lula, os senadores comemoram, principalmente, o que instituiu o piso salarial para professores da educação básica pública e o que estimula as empresas a ampliarem de quatro para seis meses o período de licença-maternidade. Os senadores aprovaram vários projetos na área da segurança pública, como o que permite interrogatórios a longa distância pelos juízes, por meio de videoconferência.
Outras propostas de apelo social da Casa beneficiam aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) - fim do fator previdenciário, correção pelo salário mínimo e recomposição de aposentadorias e pensões. O autor é da base aliada, Paulo Paim (PT-RS), mas o governo é contra. Paim fez três vigílias em plenário durante noites inteiras tentando forçar o governo a negociar as propostas. Propostas polêmicas deixaram de ser votadas pelo Senado, como a mudança nas regras de pagamento dos precatórios, o fim do voto secreto no julgamento de parlamentares e a redução da maioridade penal.
Para que os trabalhos do Legislativo fluíssem com mais facilidade, sem a trava das MPs, os presidentes do Senado e da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), anunciaram como prioridade de suas gestões a tentativa de modificar as normas constitucionais que regulamentam sua tramitação. Mas não conseguiram. Na Câmara, o problema é o mesmo: 55,5% das sessões deliberativas em plenário (90) estavam trancadas por MPs.
"O governo não tem interesse em mudar as regras e eu acredito que ele manobrou nesse sentido, por meio de sua bancada de apoio, para dificultar a aprovação da PEC que muda o rito das MPs", afirmou Garibaldi. A PEC foi votada em primeiro turno na Câmara ao final dos trabalhos do ano. Precisa passar por um segundo turno nessa Casa antes de ir ao Senado. Se for eleito para o próximo biênio, o pemedebista disse que sua prioridade continuará sendo a tentativa de mudar as regras de tramitação das MPs.
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