"Hoje estou completando 57 anos. Recebi muitas cartas, e-mails de felicitações. Vários senadores me homenagearam no plenário, destacando o meu trabalho pelas causas sociais. Fiquei agradecido. Creio que o homem que ainda não descobriu uma causa pela qual possa morrer é porque ainda não entendeu o sentido da vida."
"Quando a agenda permitia, não se furtava em aceitar [convites para programas de TV], "passando" a imagem de competência/eficiência, aliada a um toque de discreto charme."
Os trechos fazem parte, respectivamente, de uma obra chamada "O Canto dos Pássaros nas Manhãs do Brasil", de Paulo Paim (PT-RS), e de um livro cujo título, mais simples e direto, é "Delcídio na TV". Em comum, as publicações foram impressas num dos maiores centros gráficos do país, que consome cerca de R$ 30 milhões anuais. Esse valor é gasto também na impressão de leis, discursos, requerimentos, entre outras publicações.
Essa quantia equivale à compra de 5 milhões de livros didáticos, pelo preço pago em 2008 pelo Ministério da Educação.
A Folha precisou de uma autorização para visitar as instalações da Secretaria Especial de Editoração e Publicações, a "gráfica do Senado", um dos símbolos do empreguismo no serviço público. Classificada como área de segurança, de acesso restrito aos próprios servidores do Senado, a estrutura não era fotografada pela imprensa havia dez anos.
Instalada numa área construída de 21 mil m2, equivalente a dois campos de futebol, a gráfica existe desde os anos 60 para viabilizar publicações "relativas às atividades parlamentares desenvolvidas no âmbito dos plenários e das comissões, tais como separatas de projetos de lei, leis, discursos, requerimentos e síntese de atividade parlamentar", segundo ato da cúpula da Casa.
Para Paulo Paim, foi a oportunidade para publicar um diário de sua passagem pela presidência da Comissão de Direitos Humanos, que incluiu um relato sobre seu aniversário de dois anos atrás e considerações sobre o sentido da vida. "No café da manhã me lembrei de Nelson Mandela", registra em 9 de fevereiro de 2007, quando também é anotada uma ideia sua: "Vamos criar uma galeria de fotos dos ex-presidentes [da comissão]". Hoje, sua foto também está no local.
Delcídio Amaral (PT-MS) prefere estudar seu próprio desempenho à frente das câmeras de televisão. "De repente, como numa explosão, ele se abria, revelava sua alma, a ponto de entrevistado e entrevistador ficarem, os dois, com os olhos marejados", descreve o texto.
Cota
Para imprimir projetos, relatórios de CPIs, legislações e a produção literária dos 81 senadores, a Casa montou ao longo dos anos um "dos mais bem aparelhados parques gráficos do país", segundo o site. São 65 máquinas, contra 26 da editora Abril, que diz ter a maior gráfica da América Latina.
Cada senador recebe por ano uma cota de R$ 8.500 para usar os serviços da gráfica. Mas, na prática, os congressistas conseguem serviços que custariam muito mais no setor privado. Em média, eles pedem tiragem inicial de 5.000 exemplares. Numa editora comercial, livros inéditos costumam sair com 2.000 exemplares, exceto se forem candidatos a best-seller.
ACM Júnior (DEM-BA) usou a gráfica para publicar o livro "ACM: Uma História de Amor à Bahia e ao Brasil", 414 páginas em homenagem a seu pai, o senador Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007. Numa gráfica privada, 10 mil exemplares da obra, em papel couchet, brilhante, sairia por R$ 26.700, segundo pesquisa feita pela Folha no mercado.
Dez mil exemplares de "Palavra de Mulher", da ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), em outra gráfica custariam cerca de R$ 40 mil, quase cinco vezes a cota. No livro, com 56 fotos e uma charge de Heloísa, para 23 páginas de texto, ela condena a vaidade. "Devemos todos os dias, ao sair de casa, esmagar a vaidade e cuspir no poder."
"O Brasil Fala: Correspondências dos Brasileiros para o Senador Mário Couto" é um compilado de e-mails elogiosos ao congressista do PMDB. Na introdução, a justificativa para a publicação: "Uma história de vida que precisa ser contada".
A cota de impressão também pode ser usada para rodar legislações, como a Constituição. Nesse caso, não é permitido pôr foto ou nome do senador. Mas há quem deixe sua marca. Wellington Salgado (PMDB-MG) carimba seu nome na primeira página antes de distribuir o material a escolas.
Gim Argello (PTB-DF) mandou rodar um jornal com foto sua na capa acompanhada de referências como "carismático, com prestígio e determinado".
A gráfica também é usada para prestar favores. Em 2008, Garibaldi Alves (PMDB-RN) autorizou a impressão de 5.000 exemplares de "Sant'Ana: uma Bela Festa, uma Longa História", de autoria de Joabel Souza, a pedido do então prefeito de Currais (RN) José Lins.
O Senado também publica livros de servidores, sem cobrar. O ex-diretor-geral Agaciel Maia, que deixou o cargo neste ano após a revelação, pela Folha, de que não havia declarado uma mansão de R$ 5 milhões, publicou oito livros, um deles sobre senadores do Rio Grande do Norte, sua terra natal.
Nepotismo
O diretor da gráfica, Júlio Pedrosa, ocupa um gabinete todo em mármore e está no cargo há 12 anos. É apadrinhado de Agaciel. O pai de Pedrosa, Wilson, também foi diretor. Na semana passada, a filha de Pedrosa foi demitida após a descoberta de que ela havia sido contratada por uma empresa terceirizada.
Há 25 anos sem concurso, a gráfica é tocada por terceirizados e apadrinhados. O Senado diz que são 151 contratados por três empresas terceirizadas: Steel, Patrimonial e Icep/Brasil, cujos contratos somam R$ 7,45 milhões por ano. A gráfica teria 605 servidores -300 cedidos a gabinetes, 150 efetivos, e os demais, terceirizados.
Segundo a assessoria de comunicação da Casa, cada gabinete é responsável pelo material que é impresso.
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