Dirigentes e líderes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal mudaram - pela segunda vez em menos de dez dias - as normas que disciplinam o uso das cotas de passagens aéreas pelos parlamentares. Sob pressão da opinião pública, os presidentes da Câmara, Michel Temer, e do Senado, José Sarney, atenderam também a uma orientação da cúpula do PMDB, cuja avaliação é de que a crise agrava progressivamente o desgaste do Congresso e a imagem de todos os congressistas, sem exceção.
Câmara, Senado e o PMDB foram levados a agir devido à pressão da opinião pública. O que está em questão é a legalidade e a moralidade da utilização de dinheiro público para custear despesas pessoais de políticos de diferentes partidos, caso dos parlamentares que usaram suas cotas de passagens aéreas para para viajar a passeio e levar parentes e convidados até em viagens para o exterior.
Em conversa com seus aliados do grupo que dirige o PMDB, o deputado Michel Temer, presidente da Câmara, foi advertido para a intensa repercussão da "farra das passagens", que atingiu inclusive políticos, em geral, classificados como "éticos" pela imprensa e opinião pública.
Temer foi aconselhado a adotar medidas duras para combater os privilégios. Um dos argumentos foi que "enquanto o baixo clero estiver satisfeito, a sociedade estará insatisfeita". E que ele não deveria ter receio de eventuais reações corporativas, pois contaria, em compensação, com a aprovação da sociedade.
Temer prometeu fazer um discurso forte na sessão de ontem da Câmara. Mas restaram dúvidas, entre os pemedebistas, sobre a eficácia e a justificativa dada às medidas adotadas.
Pela decisão, a partir da publicação das resoluções da Câmara e do Senado as passagens serão de uso exclusivo do parlamentar e assessores - neste caso, mediante comunicação às Mesas Diretoras -, e em território nacional. Se houver sobra, o crédito não poderá ser acumulado de um exercício para o outro. A utilização da cota será publicada no site eletrônico da respectiva Casa legislativa. Em contrapartida, os parlamentares querem um aumento salarial - o que está estudos -, com incorporação dos benefícios.
Temer deixou claro que as novas regras significam uma espécie de perdão a todos os atos praticados até agora. "Quero deixar claríssimo aos senhores parlamentares que não houve prática ilícita no passado. Haverá, isto sim, a partir de agora, se não cumpridas as regras claríssimas que agora foram expedidas", disse o presidente da Câmara. Ele próprio usou a cota de passagens para levar a mulher e outros familiares para Porto Seguro, no litoral da Bahia, no verão de 2008.
A decisão provocou reações diferentes no Congresso. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), integrante do chamado "grupo ético" do Congresso, que pagou com sua cota passagens para familiares viajarem para o exterior, considerou as mudanças de regra como "o princípio de um longo processo de reconciliação do Congresso com a sociedade brasileira".
Gabeira reconheceu que errou ao lançar mão de sua cota para passeio e diz que vai apresentar um projeto de lei para redução de custos na Câmara, como forma de "ressarcir a sociedade".
O deputado Ciro Gomes (PSB-CE) teve reação totalmente diferente. Primeiro, mostrou-se irritado com a publicação de notícia sobre suposto uso de sua cota para pagar duas passagens para sua mãe, Maria José, de 80 anos, viajar para os Estados Unidos. Segundo Ciro, isso não aconteceu. Da primeira vez (abril de 2007), a mãe nem viajou. Da segunda (dezembro de 2008), ela pagou sua passagem. Ciro disse que "vai até o fim" para descobrir quem vazou a informação, que diz ser falsa.
Ciro criticou o fato de a Mesa Diretora e os próprios deputados não conseguirem explicar à sociedade a importância da cota de passagem aérea, medida existente nos parlamentos de outros países. "Os jovens brasileiros, hoje, pensam que a política é um pardieiro de pilantras, enganadores e defensores de privilégios, porque não temos tido a compostura, como coletivo, de dar explicações à população", afirmou no plenário.
Foi aplaudido por colegas. Depois, em conversa com jornalistas, disse que Gabeira fez uma "auto-imolação moralista" e, sem citar Temer, criticou os que disseram não ter havido ilícito antes, mas terem mudado as regras. "Então, por que mudaram?", questionou.
No Senado, Papaléo Paes (PSDB-AP), queixou-se, em plenário, do fato de os parlamentares não poderem mais usar a cota de passagens para pagar a viagem de familiares. Perguntou se os parlamentares terão de pedir a empresários que paguem viagem para a família visitá-los. "Acho que o resultado será altamente danoso para fazermos um mandato limpo", disse.
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