A salvaguarda às autoridades monetárias incluída por deputados e senadores na Medida Provisória 449 - que criou novo programa de parcelamento de dívidas de empresas e pessoas físicas com a Receita Federal - terá sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PCdoB, caso não seja vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não há plano na Presidência de promover o veto. Segundo parlamentares que participaram das articulações para introduzir a emenda na MP, o dispositivo foi proposto por dirigentes do Banco Central, preocupados com a possibilidade de eventual criminalização por medidas tomadas para enfrentar a crise financeira. Em diferentes governos, as autoridades da área econômica ressentem-se da exposição a processos a que ficam submetidos por força de suas responsabilidades funcionais.
A emenda determina que não serão acusados de crime (aplicação da "exclusão de ilicitude", prevista no inciso III do artigo 23 do decreto-lei nº 2.848, de 1940) os agentes públicos "incumbidos da execução de medidas excepcionais com o propósito de assegurar liquidez e solvência ao Sistema Financeiro Nacional, de regular o funcionamento dos mercados de câmbio e de capitais e de resguardar os interesses de depositantes e investidores". O parágrafo primeiro diz que, no cumprimento das referidas medidas excepcionais, os servidores não responderão civilmente, exceto em caso de dolo ou comprovada má fé.
Na opinião do deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA), ex-juiz federal, esse dispositivo pode ser aplicado retroativamente para beneficiar, por exemplo, os envolvidos no episódio dos bancos Marka, do banqueiro Salvattore Cacciola, e FonteCidam. Em 1999, durante a desvalorização do real, o BC vendeu dólar mais barato às duas instituições, sob alegação de que havia risco de quebradeira no mercado. O prejuízo foi calculado em mais de R$ 1 bilhão. O então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, foi condenado a mais de 10 anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro.
Segundo Dino, Lopes poderá ser beneficiado pela salvaguarda embutida na MP 449 e, indiretamente, o próprio Cacciola, embora a emenda cite apenas agentes públicos, o que não é o caso de Cacciola. "Há o risco de beneficiar Cacciola, porque o dispositivo se aplica aos co-autores ou beneficiários. A conduta não pode deixar de ser crime para o agente público e não deixar de ser crime para o particular que foi beneficiado ou cometeu em conjunto", diz.
Dino afirma que o PCdoB proporá Adin contra a emenda, se for mantida por Lula na MP 449. Antes, porém, o deputado e ex-juiz federal defenderá o veto. Ele pretende reunir-se hoje com o ministro da Justiça, Tarso Genro, para expor as duas inconstitucionalidades que vê na medida. A primeira delas é o fato de o artigo 62 da Constituição vedar o tratamento de matéria penal por medida provisória.
Dino alega que, se medida penal não pode ser baixada pelo governo por MP, também não pode ser objeto de emendas de parlamentares a essas propostas. "Se abrir o precedente, amanhã qualquer matéria poderá ser incluída em MP", afirma Dino. Ele lembra que projeto de lei tem tramitação muito mais demorada e passa por análise profunda de comissões, enquanto a MP tem tramitação sumária.
Outro dispositivo constitucional desrespeitado pela emenda, segundo Dino, é o artigo 37, que estabelece a regra da responsabilidade civil do Estado e dos agentes públicos, que não prevê as hipóteses de eliminação de culpa (imperícia, imprudência e negligência), como pretende o parágrafo único da emenda aprovada pelos parlamentares.
A tentativa inicial de incorporar a salvaguarda às autoridades monetárias à MP 449 ocorreu na primeira votação da proposta pela Câmara. O deputado Sebastião Madeira (PSDB-MA) apresentou a emenda, que não foi acolhida pelo relator, Tadeu Filipelli (PMDB-DF). No Senado, ela foi uma das 21 emendas de autoria do próprio relator, Francisco Dornelles (PP-RJ), aprovadas no plenário. Ao retornar à Câmara, Filipelli, novamente relator, não acolheu a emenda, mas cedeu a apelos de deputados de vários partidos, inclusive PSDB e PT. Durante a votação, o deputado Ivan Valente (P-SOL-SP) manifestou-se contra, seguido de parlamentares do PCdoB.
O líder do PSDB, José Aníbal (SP), admite que o partido apoiou a emenda, mas nega qualquer preocupação em proteger qualquer autoridade monetária que tenha praticado conduta considerada lesiva no passado. "Em primeiro lugar, essa questão da retroatividade quem vai decidir é o juiz. Em segundo lugar, a emenda não absolve o agente acusado de conduta por dolo ou má fé", diz. O líder tucano afirma que o gestor público não pode deixar de tomar decisões importantes na área monetária pelo medo de ser criminalizado. A preocupação, segundo ele, é "criar uma janela", de tal forma que o gestor público, agindo de boa fé, possa tomar medidas para preservar a política monetária.
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